terça-feira, 18 de dezembro de 2007

EU TE AMO, PORRA!

o Plágio

d *_* b Pixies

Queria te contar um sonho. Ontem à noite comi salada de berinjela com vinagre, devia ser meia noite. Acendi um cigarro, sentei–me num banquinho da área e fiquei olhando fixo para as grades da rua... escura e parada, sem pensar absolutamente em nada. Fiquei assim durante uns trinta segundos. Dei algumas tragadas e cocei o saco maquinalmente, atirei a guimba, balancei a cabeça e fui pro quarto. Peguei um livro de Charles Bukowski e comecei a ler. Depois de alguns capítulos fiquei abismado por me sentir tão parecido com Henry Chinaski. E percebi como meu trabalho está me imbecilizando. Notei o quanto tenho me tornado coisa. O quanto tenho adiado tudo. E que cada nervo do meu corpo está ficando condicionado a agir só em função de coisas como dinheiro, chaves, papéis e outras porcarias. Mas deixemos isso de lado, eu queria era contar do sonho que tive. Vamos lá então:

Fui ficando sonolento e não me lembro quando deixei que caísse de minhas mãos o Misto Quente. Deve Ter sido quase um desmaio, uma espécie de morte. Foi quando beijava tua boca loucamente como nos velhos tempos. E sentia que você era minha. Sentia-me forte e confiante. Sentia que era o dono da situação e, portanto, não estava nem ai. De repente você sorriu aquele seu riso inconfundível e me pegou pelas mãos. Foi me arrastando pra um lugar cheio de gente que eu não fazia idéia quem fosse. Você me dizia coisas sem parar num ritmo frenético e eu não entendia uma só palavra. Fui achando tudo muito estranho. Só piorou quando durante um átimo de tempo você sumiu, andei te procurando em meio aquela gente toda e logo te encontrei cercada por seguranças, homens negros sorridentes de dois metros de altura que me olhavam com escárnio e deviam me achar um bosta, o que me fez sentir-me isso mesmo. O que eu ia fazer? Naquele instante pensei que se tivesse um revólver mataria todo mundo naquela bosta, mas na verdade me sentia tão fraco que se tivesse mesmo uma arma provavelmente não conseguiria nem segurá-la e antes que eu me desse conta você apareceu em minha frente com um bebê no colo. Não dava pra saber se era o seu filho, pois era uma criança muito pequena. Você parecia preocupada e melancólica. Eu não tive reação mas me senti esquisito. Você me olhava como quem dizia – a vida é assim mesmo fazer o que?!... foi quando apareceram dois coroas , um casal, que pareciam ser conhecidos seus. Eles não falaram nada que eu me lembre, mas parece que eles queriam que fossemos para sua casa. Então eu te segui novamente você me puxando por uma das mãos. Eu ia sem saber pra onde, mas um pouco aliviado por sairmos dali. Havia um grande tumulto e quando passamos por uma janela lá estava debruçada Samantha Abreu, que não era mais escritora e sim nadadora que havia acabado de conquistar uma medalha de ouro nos jogos inter-regionais e todos a parabenizavam. Eu queria parar para falar com ela, mas você estava com pressa e me puxava... de repente eu hesitei e você sumiu mais uma vez na multidão. Samantha acenou para mim e fechou a janela para escapar daquela gente toda querendo se aproximar. Eu fiquei totalmente perdido. Não conhecia aquelas ruas. Todas estreitas e mal iluminadas. Fortes subidas por onde eu me arrastava sem forças para me mover. Sentia vontade de chorar, mas nem isso conseguia. Estava paralisado. Sentia medo. Sentia-me como uma criancinha que se perdeu dos pais nas ruas da cracolândia. Uns caras mal encarados vieram me pedir uns cigarros para fazer cinza e eu dei. Eles se mandaram me avisando que a polícia iria pintar por ali. Que merda de amor, eu pensava. Eu só queria acordar. Estava quente, eu rolava na cama. O ventilador estava quebrado. Eu sabia que era sonho...
O despertador tocou as quinze pras oito como de costume; e pensei novamente... que merda de amor.
Caguei, limpei o cu porcamente e dei a descarga. Bebi um copo de água provavelmente contaminada com coliformes fecais, vesti a máscara, acendi outro cigarro e fui pela rua do correio fumando e pensando; EU TE AMO, PORRA!

...bob zimmerman...

Jú Mancin

d °_° b karma police, john lennon

Adoro abrir o jornal de manhã e ler coisas desse tipo:

Bob Dylan vem ao Brasil em março, diz jornal
Músico deve fazer shows no Rio e em São Paulo
Bob Dylan vem ao Brasil em março para apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo, diz o jornal "Folha de S. Paulo" desta terça-feira, 18. Os lugares mais cotados para receber os shows são a Via Funchal, na capital paulista, e o Viva Rio, na carioca. Dia 15 de março, Bob Dylan se apresenta na Argentina. As datas brasileiras, segundo a publicação, ainda não estão confirmadas. O autor de "Blowing in the Wind", "Like a Rolling Stone" e outros clássicos já tocou duas vezes no Brasil: uma em 1990, no Hollywood Rock, e outra em 1998, abrindo para os Rolling Stones.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

2007/08

Lu Minami

Ouvindo: Evil
(Interpol)



Não consigo lembrar do último dia do ano passado.

Não por desconsideração a 2006, mas porque eu não esperei nada desse.

E por uma grata surpresa, esse ano foi relevante. Não digo que foi sensacional, porque nenhum ano é só isso. É sempre muito mais. Sempre há motivos para sorrir, chorar, gritar, enraivecer-se, festejar, ser estúpida, inconseqüente ou extremamente responsável e cuidadosa. Fui tudo isso, todos os dias. Fui doce e amarga, azeda e salgada.

Para variar, dezembro mantém a tradição de ser o mês mais esquisito do ano. As coisas simplesmente acontecem. Caralho, você trabalhou, se fudeu os 340 dias do ano para só entender agora, nos últimos 20 dias que, “tudo bem”, um dia dá certo. E, revoltada com essa decisão, eu fujo. Quase mandei uma carta a prefeitura para agradecer a retirada dos painéis e outdoors da cidade. Eu quase não lembro do Natal esse ano. Com a cidade limpa, fica mais fácil passar ileso.

Nesse mês, eu to fugindo. De fila, de shopping, de cartões virtuais, de transito, de emails pomposos e mentirosos, de presentes, de papais noéis, de estacionamentos, de 13º salário, de votos para a celebração do novo ano.

Pô, me deixa... me larga na rua, me deixa beber, não me deixa dormir, não me deixa perder mais um segundo enterrando meu pé no chão, mesmo que seja só por esse mês. Não me deixa ser certinha, não me deixa segurar o riso e nem as lágrimas. Não me deixa esperando, não me intimida que eu parto pra cima. Me deixa pensar que o bar se chama esperança e é o último que fecha e lá eu posso ficar até o carnaval chegar. Me deixa falar o que eu penso, mesmo estando errada. Me deixa dar para quem eu quiser, a hora que for, do jeito que for. Me deixa escrever baixarias na porta do banheiro. Me deixa catar bitucas de cigarro na calçada. Me deixa ver tudo e todos. Me tira o senso de maturidade. Me deixa de novo ser louca e deliciosamente imbecil. Me deixa achar que tenho razão e que a verdade é propriedade minha. E deixa, por esses dias, achar que entendo alguma coisa da vida. Ou não, que não entendo nada e que só vim passear a minha covardia. Me deixa ler poesias em voz alta. Me deixa acreditar no amor de novo e na humanidade. Me deixa achar que ainda tenho chance de ser feliz do jeito que eu quero, não do jeito que esperam que eu seja. Me deixa rasgar toda essa constituição de valores que eu carrego sem saber que carrego. Me deixa ser do jeito que meu pai quer, mas que minha mãe não acredita. Me deixa fazer as pazes com meu irmão, porque eu posso morrer hoje, mas não brigada com ele. Me deixa andar sozinha pelas ruas sem ninguém pensar se estou esperando alguém ou se estou infeliz e abandonada. Esquece que estou aqui, esquece a minha função. Dança comigo e planta flores na gente. Explode o mundo por mim e colore o universo que criei dentro de mim. Dorme comigo até as 5h da tarde. Não me deixa mais escrever sobre ele e afasta de mim a idéia de poder ser alguém completo com ele, e só com ele. Me deixa inventar histórias em paz, me deixa emprestar à minha vida fútil um pouco de encantamento, de ilusão.

Me deixa ser assim, 365 dias por ano, vivendo meu personagem secundário, que não quer os holofotes do palco, me deixa viver cada segundo de barulho, de caos, de preguiça, de amenidades, de estrelinhas durante o gozo, de profundidade, de arte e futebol, de toalhas de banho quentinhas com cheiro de amaciante, de lugares fechados e fétidos de podridão, de música, de calor e sol, de chuva e quietude.

De verdades e mentiras.
De vida todo dia.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Tiriteira

Lu Minami

Ouvindo: Don´t make me wait too long
(Barry White)



Ela morava entre a espada e a cruz, na encruzilhada de vontades que nunca soube controlar. Entre a meninice e a vulgaridade de um balcão de bar sujo, ela fazia seus amores. Sempre pensou que as pessoas passavam por ela e que ela ficava na vida das mesmas. Achava o mundo um brinquedo, as pessoas marionetes e se orgulhava de poder faze-las caminhar a favor de suas vontades ou desgostos para sentir algo. Era sempre amargo. A alegria de poucos segundos era ácida e a tristeza, sempre fora superficial demais para senti-la até o fim, para dar cabo de sua existencia.

Não se preocupava se não houvesse amanhã para acordar e cantar a vida. Não ligava se o mundo acabasse em guerra ou se crianças morriam de fome. Ela que precisava comer. Muito e descontroladamente. Sentia sede. Em meio às caronas que pegara nas estradas abandonadas, oferecendo seu corpo em troca de poucos kilometros, sua boca como pedágio de uma cidade para outra, ela parou num bar.

Ele caminhou em sua direção assim que ela entrou no bar e parou em sua frente. A fumaça do cigarro flutuou até sua boca. Nesse silêncio, ela avançou e recebeu um tabefe. Assustou-se e tomou outro. O olhar de furia recebeu um soco, enquanto o antigo equipamento de som tocava Barry White. Minutos ou horas depois, ensanguentada, ela esboçou um sorriso que lhe foi devolvido.

Amaram-se e ela sentiu a leveza pousar no seu peito. Dormiu a perder-se em sonhos de uma vida desgraçada e triste, onde ela sorria e carregava garrafas debaixo do braço. Acordou 2 dias depois, sem dor e sem espera.

Encontrou o caco que tanto procurou. O caco que não era de seu coração, agora já remendado. O caco que era de vidro e cortava a sua carne doce e os fios de sua marionete.

Finalmente livre.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

e quem um dia irá dizer...

Jú Mancin

d °_* b heavy metal do senhor, zeca baleiro

...ai moreno, viver é bom, esquece as penas vem morar comigo em Babylon...

Ela era um canalha. Ele, uma moça.
Ela cheia de boas intenções, tal e qual o inferno se vê cheio.
Ele não pensava nessas coisas, da vida, sabia que viver é preciso, mas tinha medo.

Ambos sabiam que o mundo é grande e ambos ignoravam que corredores são estreitos.
Os dois ali, dentro daquele minúsculo pedaço do mundo grande, nem desconfiavam da existência do acaso, que logo que entrou em cena já mostrou a que veio.

Ela, o canalha, caminhava devagar, sorrindo pro mundo, mascando chicletes e cantarolando um Stones qualquer. Ele, moça séria de família, caminhava seriamente, não sorria pra ninguém, tampouco mascava chicletes, tinha medo das cáries. Ele, também não cantarolava nada porque não gostava de música. Ele pensava, andava sério, preocupado com contas, era aspirante a administrador de empresas. Ela, haha, tava ali por acaso, estudava PU-BLI-CI-DA-DE, profissão descolada, cheia de gente bacana, cheia de gente disposta a comprar sua alma à prazo e repassá-la ao diabo, sem te avisar, é claro. Uma profissão de canalhas.

...e a lá ia a vida, cada um com seu cada qual...

Um dia, ela sorriu pra ele, ele rosnou pra ela. Pronto. Deu-se a desgraça.

Ele perdeu o sono por conta daqueles lábios e ela deixou de comer por aqueles dentes.
Ela começou a pensar em contas e ele em música. Ele perdeu o medo, ela ganhou vergonha na cara. De um sorriso pra uma flor foi questão de uns dias, da flor o encanto e a paixão e o amor [uma flor roxa que brota no coração dos ‘troxa’].

Tudo ficou confuso, ele era ela e ela era ele e os dois eram um, ela bebe e ele vomita, ele mente e ela acredita, ela canta e ele dança, eles se viraram no avesso, [às vezes parece até, que a gente deu um nó], ele chia, ela mia, ele mia, ela rosna...

Hoje, eles vivem em Babylon, ela alive like a rolling stone, de bar em bar até o sol raiar, faz samba e amor até mais tarde e volta exausta, pro colo do moça séria de família. E ele...bem, ele vai pra casa, dorme cedo, e dorme com medo, e tranca a porta, só pelo prazer de ouvi-la cantando no final...[joga a chave meu bem, que aqui fora tá ruim demais].

E quem um dia irá dizer que não existe razão?

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

eu te amo, porra!

Jú Mancin

d °_° b Amor barato, Chico Buarque

...e tudo o que ela não queria era dizer adeus.
E tudo o que ele não queria era dizer adeus...
E por assim foram, sem se despedir, sem olhar pra trás.
Ele não diria tchau àqueles olhos.
Ela não deixaria pra trás aquela boca. Aquele beijo.
Ponto.
Aquele beijo seria o fim, mas não, eles não saberiam disso. Não naquela hora.
Cortinas pretas e luzes vermelhas. Esse seria o cenário da doce lembrança de cada um dos dois.
Era chegado o fim da linha, mas eles ainda não conheciam tal segredo.
Pudera eu parar o tempo. Congelar sua mão na minha mão e sua voz. Suas doces palavras que se perderiam com o vento...e seu beijo. Aquele beijo.
Não, não haveria despedidas. Seria corpo e alma entregue à loucura e silêncio e morte [vida]. Seria saudade. E só saudade.
Seria um breve espaço rasgando o tempo deixando marcas tingindo de lindo o que só era sombra. Deixando amor & amor & amor.
Sim. Aquilo era a morte que os alcançava. Era a flecha sagrada da vida tomando-lhes à força de seus sonhos. Entornado-os ao chão. Vomitando-lhes o fim de cada sopro de mágica.
Sim, aquilo era o fim, que cada um dos dois se negava a encarar. Aquilo era o nada das noites sem lua. Sim. Era o fim, porém...

...e sempre há um porém...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Empréstimo de poesia

Lu Minami

Ouvindo: gotas incessantes na minha cabeça.


... porque muitas vezes, eu tenho que emprestar as palavras dos outros, porque a inspiração falha, a respiração não funciona, a falação caduca...


- - - - -


Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista?

Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.



Hilda Hilst
("Tô Só" - Correio Popular de Campinas)



quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Alice e a chuva

Lu Minami

Ouvindo: As vitrines
(Chico Buarque)


Seu cabelo tinha cheiro de terra molhada. O vestido, cada verão mais curto. No rosto limpo, maltratado de sol, sustentava o par de olhos negros que trazia como única lembrança o campo desolado, a terra laranja, o dia amarelo, as árvores marrons. Não lembrava de ter visto tanta chuva cair assim do céu, devagar primeiro e depois pesada, tão pesada que teve medo de doer a pele nua quando as gotas batessem no corpo.
Olhava o vidro atentamente, colocou cada dedo seu sobre uma gota que batia na janela do ônibus e sentiu saudade de casa. Sentiu saudade do chão seco e quente, das frutas maduras antes de cair, das flores murchas de calor.

Pensou se sabia o que fazia, se fazia o que estava pensando desde lá em cima, desde casa. A idéia que nasceu numa noite depois de ter visto a cidade pela primeira vez, pela televisão e o rosto que há muitos anos não via, coberto pela blusa. Ele bem que tentou, mas não pôde se esconder de mim, pensou iludida e doce. Os homens de cinza, cor de céu antes da chuva, tinham-no jogado na parte de trás de um carro e ela sabia, tinha certeza que era ele. Era sim, seu coração franzino avisou que era. Fugira de casa, com uma sacolinha de pano que a mãe usava para trazer mandioca, que trazia uma foto e uns poucos bijus. O dinheiro, tinha guardado desde o 12 anos. Não era muito, pois fazia pouco que decidira guardar para comprar um novo vestido. Entrou no ônibus decidida, sem dormir, sem comer, só pensando no momento em que seus pés pisassem o chão da cidade e sua busca começasse.

Andou por igrejas destruídas, calçadas perfuradas e ouviu perguntas que não entendia. Parecia ter ficado surda ou que havia chegado em outro país. As pessoas corriam, subiam e desciam de ônibus que não paravam de chegar, formando uma serpente esquisita, cheia de janelas e pessoas. A cobra com fome, que devora toda a gente. Parou frente a uma caixa de metal que cabia umas 4 pessoas dentro. Olhou e viu foto, palavra que não sabia ler, livro que nunca ia passar a mão na capa e cheirar a folha nova. Jornal, revista, doce, chiclete, cigarro, mulher nua e homem nu em algumas. Corou de vergonha. Mas se encheu de coragem e olhou cada foto, cada jornal, cada capa de revista, procurando pelo homem dela que tinha visto na TV.

Continuou andando porque uma hora a cidade acaba, pensou ela, e eu encontro um lugarzinho para descansar, posso até fazer biju para me sustentar. E a cidade continuou perseguindo sua visitante, mostrando ruas iguais, mas diferentes. Esquinas cada vez mais distantes, homens que lhe faziam perguntas esquisitas, que ela não entendia, mas sabia serem indecorosas. Sentiu fome e sede, mas ninguém quis seus bijus em troca de comida e água. Seu vestido se tornara cada dia mais triste e gelado. As pernas sujas e os braços melados de suor, lágrimas e poças.

Até o dia em que encontrou.
Encontrou alguém que a aceitou. Em troca de comida, água e um chão para dormir, ela preparou seus bijus e ofereceu seu corpo à violência. Todos os dias, hora após hora, em esquinas iguais, mas diferentes. Depois de chuva e de sol e o vestido novo, que era curto sem tantos verões, que a deixava com frio, sem sorriso e com vontade de beber algo que a fizesse esquecer da saudade de sua terra, do marido e das primeiras esquinas.


(...)
Nos teus olhos também posso ver

As vitrines te vendo passar
Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

13:13 do dia 13

Jú Mancin

d °_° b Gato Preto, Cascavelletes

É primavera!
O circo ta na cidade
Tem palhaço e alegria
Tem choro calado, dissimulado
Por trás de tinta e de fantasia

Acorda menina, vem ver a lua.
Olha o arlequim sorrindo pra mim
Tomando vermute com amendoim

Tem samba no morro.
Socorro!
Não estou sentindo nada...
Só carta marcada num jogo
De bola quadrada!

Homem bala e mulher canhão
A cuspideira soprando fogo
O trapezista voando alto
Lona vermelha, leão, elefante!
Enfim é primavera,
O circo ta na cidade
E eu não estou sentindo nada!

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

sou-lhe submissa. - ah! sou louca!

Jú Mancin

d °_° b chick habit, april march

"Contou-me ter remorsos, esperanças, o
que não deve me dizer respeito. Fala ele com
Deus? Talvez devesse me dirigir a Deus. Estou
no fundo do abismo e já não sei mais rezar."

Ela não conhecia Rimbaud mas vivia no inferno. Bem sabia o que era estar à mercê da serpente. Sentia raiva. Sozinha na cama pensava "um dia eu te engulo o coração!", e chorava de dor [ele não tem coração]. Longe, morria aos poucos. Jurava vingança. Odiava-o por cada minuto de ausência. Blasfemava. [MALDITO SEJA O AMOR!!!].

Ele, o monstro, voava por aí, cuspindo nos santos, chutando os cachorros, cantando pros gatos. Sempre ia e sempre voltava, sorrindo friamente e ardendo feito fogo. Não fazia promessas e se escondia atrás das cortinas negras [lindos olhos negros]. Sussurava encanto em seus ouvidos e a devorava. Ele sabia parar o tempo.

Ela com ele era melhor. Tudo era. Seu corpo brilhava. Ela era o Sol! Dormia em seus braços como quem deita em cama de seda.

Ele esperava o silêncio e fugia nas sombras...

Ela chorava, sentia e morria.

Ele sorria!

Um dia ela o matou. Comeu seu coração, enterrou seus restos na curva do rio e seguiu adiante pensando "eu vou reinventar o amor!".

E ela nem conhecia Rimbaud...

sábado, 27 de outubro de 2007

Carpideira

Lu Minami


Ouvindo: A certain sadness
(Astrud Gilberto)


Quando você morreu, eu chorei. Fiz daquele jeito, que toda viúva faz. Acende uma vela, pede para ir com os anjos e que você viva a sua morte dentro de mim até o dia que eu esquecer os detalhes miúdos de quando a gente foi feliz.

O tempo passou e hoje, ouvindo essa música, penso na herança filha da puta que você me deixou. Porque eu preciso amar a imperfeição que me faz mal, que planta úlceras tão grandes quanto os olhares que você largou dentro da minha córnea?

Você é esse pedaço de ouro sujo, de trouxa, valioso só para mim, que contamina tudo que eu toco. A única coisa que você me faz sentir é dor, a qual eu já me acostumei e vivo meus passos por essa alameda de tempo, medida por neón, jantares, porres, depredação, perversão, risos altos, música descartável, café e amores expressos. Ando nessa alameda como uma homenagem ao seu universo, que não me deixou, diferente de você.

Guardo seu testamento e passo os olhos pela única linha escrita, depois de me dizer que eu era a sua rua sem saída... Leio-a todos os dias, entre as duas vírgulas mal colocadas, sobre a minha incapacidade de amar.

Se você ainda vivesse, diria que você foi a minha contramão.
Mas, fazer o que? Meu único caminho.

Em nome do pai, do filho e do raio que o parta.

as baratas

Jú Mancin

d °_° b Hold Tight, Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Titch

As baratas, o Plágio

Baratas são artrópodes da classes dos insetos. Todavia para os humanos elas não tem nenhuma classe e são seres bem asquerosos. Qualquer um de nós é capaz de matar uma barata fácil, fácil. Muitos tem pena dos pássaros, alguns gostam das tartarugas, outros dos pandas, porém ninguém sente qualquer compaixão pelas pobres baratas, aliás todos sentem é nojo só de pensar nelas existindo por ai. Mas a despeito de todo empenho humano para extermina-las, elas estão por toda parte, até mesmo nos lugares mais improváveis. Habitando os cantos mais inusitados, ocupando frestas inóspitas, enfeitando os lindos esgotos da vida ,vivendo dos nossos restos, enfim, foda-se.
As baratas estão mesmo fadadas a serem bichos escrotos. Para elas não há salvação. Nunca ninguém fundará a sociedade protetora das baratas, nem levará os filhos para visita-las no jardim zoológico ou no circo. As baratas estão sozinhas nesse mundo cão.
. Atento para o fato de que apesar das adversidades as baratas continuam firmes. Inventamos inseticidas cada vez mais potentes, venenos cada vez mais eficazes mas elas resistem e não dão nem sinal de que podem entrar em extinção algum dia. As baratas não estão nem ai. Não ligam pra nada mesmo . Não são de fazer cerimônia. Nunca são bem vindas mas sempre comparecem. E são vistas com maus olhos.
As baratas não servem nem de cobaia porque não são de confiança. Ninguém coleciona baratas como fazem com as borboletas. E elas parecem não ser tão unidas quanto as formigas. Embora aparentemente sejam mais livres. Elas sobrevivem sem celular, não vão nunca a teatros e não navegam na Internet, ou seja, elas não tem o mínimo de sofisticação. As baratas não lêem a bíblia. Elas mofam e ficam a espreita. Na calada da noite surgem timidamente e se instalam onde não foram chamadas. Acho que as baratas já sacaram que os humanos não vão com a sua cara. Elas são bem espertas. Parecem tolas mas não são não. Elas se acham espertas em seu mundinho de bosta e assim como nós vão sobrevivendo.
As baratas são meio chatas e possuem antenas além de patas articuláveis, ah! e também exoesqueleto. Baratas não tem sangue de barata. No lugar do sangue elas tem linfa – uma meleca branca que serve muito bem para elas viverem. As baratas não tem medo de barata mas não se arriscam muito com outros bichos. Elas ficam na delas. As mais audaciosas saem voando para desespero das fêmeas da espécie humana que quando estão naqueles dias choram. Com as baratas não tem frescura, mesmo as baratas fêmeas são duronas e cospem em tudo. As moscas podem voar bem mais alto embora sobrevivam por apenas algumas horas. A vida de uma barata pode durar semanas para o desespero das pessoas. Como já foi dito as baratas não lêem a bíblia, mas nem por isso vão para o inferno, elas acreditam no seu deus baratão que vai salva-las no final . Não sabem rezar mas mexem as antenas para manifestar seu apreço pelo inseto superior.
As baratas são alegres e calmas e às vezes agitadas e tristes. Às vezes elas se fingem de mortas ficando de barriga pra cima mas depois ressuscitam e dão no pé. As baratas comem de tudo menos barata, o que já demonstra um certo grau de civilização.
As baratas não dormem nunca, nem escrevem poemas. As baratas são simples, modestas e até simpáticas, quando estão mortas. As baratas não gritam nem se desesperam, pois não são de fazer alarde. Elas suportam.
As baratas velhas ensinam aos seus filhos baratinhas a temer os humanos e a mexer as antenas em louvor ao todo poderoso deus baratão, pobres baratinhas indefesas que são.
Cada transa de uma barata dura em média um segundo. De uma transa bem sucedida podem surgir mais de duzentas baratinhas de uma vez. Essa deve ser uma possível explicação para haver tanta barata assim no mundo. Dizem os cientistas , aqueles caras que estudam as baratas e tudo mais, que somente as baratas resistirão a um desastre nuclear. Como se pode notar as baratas são obstinadas e não são de morrer por qualquer bobagem.
Elas não fundaram um sindicato para garantir os direitos da classe por que não leram Marx e portanto estão alienadas. As baratas se trabalhassem numa fábrica certamente seriam exploradas. Ainda bem que elas são autônomas.
As baratas não contam o tempo, elas apenas se entopem de porcarias e depois defecam. Ainda bem que as baratas não são do tamanho dos elefantes. Acho que as baratas não sabem de nada. Nem imaginam o que está por trás de tudo. As baratas são tão distraídas que nem sabem que existem. Elas apenas aparecem ali e ficam.
As baratas não sacam Nietzsche nem nada. Do contrário se tornariam super baratas e zombariam do deus baratão. Além do mais diriam que o deus baratão morreu e que foram as reles baratinhas que o mataram. Mas de fato isso não acontece.
Eu não seria capaz de comer barata nem mesmo por grana. Mas se estiver passando fome quem sabe? Não tenho menos nojo de barata do que de gente. Gente também é bem nojenta. Não gosto de barata mas se fosse um costume antigo ou uma nova moda tê-las por bicho de estimação talvez eu tivesse uma. Seu nome seria Kafka. Mas como diz um velho ditado humano – Barata boa é barata morta!

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

bilhetinho pra um amigo morto

Jú Mancin

d °_° b Lust for life, Iggy Pop

Onde foi parar aquele menino,
Que queria cantar como um beatle George?

Pra quem já pensou em estourar os miolos, as drogas são inofensivas. Não é mesmo, Cobain?
Em pensar que você nem tinha uma arma. [quem deu uma arma pra esse filhodaputa?]

Vamos lá! Conquiste o mundo e acabe com você. Assim é que é, superstar...
Toque sua guitarra triste. Faça-me chorar. E morra em paz...

SHINE ON YOU CRAZY DIAMOND!!!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

...e lá se vão os anéis...

Jú Mancin

d °_° b Whatcha' Gonna Do, Nat King Cole

...e dizem que a solidão até que me cai bem...


Em dias assim, de chuva na vidraça, quando minha voz se encerra, meu peito rasga, um imenso nada parece haver dentro de mim...
O piano de Hancock me carrega até a ilha de Cantaloupe, mas não há cores festivas. O vôo de um albatroz me remete a outros portos...
As mãos calejadas desses pescadores, a força bruta em harmonia com a arte de viver em paz. [No pain, no gain] a velha máxima da cidade grande não faz sentido em Cantaloupe. O inferno são os outros, o inferno é você. O inferno está em mim...
A cada passo penso em parar. O mar explode em ruídos secos, e silencia logo em seguida.
E novamente Hancock me dá as passagens, agora de volta ao velho trem dos sonhos. Estou a milhas de mim mesma, atrás do arco-íris, e surpresa, não há potes de ouro. Em algum lugar por aqui existe algo bom, eu já fui feliz comigo mesma, e isso parece ter sido numa outra vida.
Vejo a chuva descer pelo vidro...pequenas lágrimas de cristal.
Não pode chover o tempo inteiro, dizia o corvo. Não, não pode! Uma hora vai parar e vai passar nessa avenida o samba popular, o carnaval vai chegar e eu preciso me guardar.
Inside me I feel alone and unreal...o inferno está em mim e a culpa é minha.
Mais um cigarro pra espantar o tédio. [nisso eu até acho graça, só não quero é que me falte a danada da cachaça]...
Penso em Peter e suas aventuras, Hook com seu gancho fatal e o crocodilo tic-tac. O tempo não pára e não volta, a estrada não tem fim.

Saudades daquele pub, meio abandonado no acostamento. Saudades do velho garimpo, minhas pedras preciosas, que guardadas num cofre não me valem nada. Minhas velhas pedras negociadas no escambo. Minhas pedras que cantam e brilham e encantam. Valiosos anéis que se foram...
O piano de Hancock se cansa, adormece. Eu me canso, adormeço.

sábado, 13 de outubro de 2007

Uma tarde

Lu Minami

Ouvindo: Playground Love
(Air)


Eu precisava respirar. Sentir no rosto o hálito morno daquela tarde quente. Depois de tanto, de tudo, de tão pouco... eu sentia os olhos arderem e outros olhos que passeavam por aquela praça pousarem curiosos sobre mim, enquanto eu lia, acendia um cigarro e lia mais. Lia um conto sobre encontros.

Aquele lugar era meu, aquela paisagem que cabia dentro dos meus olhos e registrava as mesmas casas vistas lá de cima, as mesmas arvores, os mesmos carros e as mesmas pessoas. Era tudo meu. Quando meu amigo chegou para me fazer companhia, foi como se 10 anos voltassem para trás. Sem se preocupar com o tempo e seu grande crocodilo faminto, a gente gastou toda aquela tarde numa brasa que há muito achamos que tinha se apagado. Passeamos entre as nossas ruas, olhamos as nossas calçadas e lembramos de todos os erros e acertos sob esse mesmo céu. Juntos.

Todas as nossas viagens, mesmo aquelas em que nós não estávamos. A gente estava sim, sabia de tudo, como não estava? Todos os nossos amores, mesmo aqueles que deram errado. Deram certo sim, senão como hoje todos nós permanecíamos juntos desse jeito? Todos os nossos amigos que se foram, que não voltam, que voltam e não ficam, que ficam, mas deviam ir embora ou que se foram, mas permanecem ali por perto, por precaução. Todos para os mesmos quarteirões, porque ali, naquele imenso parque era onde brotava aquela vida louca, inconsequente, sem perigo e sem medo. Era ali o grande jardim da nossa vida, o quintal da nossa idade. Ali, onde todas as nossas histórias foram contadas como contos de fadas às avessas e a gente achava graça. Ali... onde a gente volta para amolecer o coração e voltar a ser criança. Voltar a sorrir sem se preocupar com nada, acender cigarros sem se preocupar com pulmões, amar sem se preocupar com o futuro. Quando tudo era possível, inclusive as pessoas.

Conversamos sobre aqueles que escolhemos para fazer parte da nossa história. Sobre aqueles que eram exceção e haviam vencido de um jeito único e merecedor nesse mundo cruel. Sobre todos, porque todos são as nossas, as minhas exceções. Meus amigos são meu único acerto. Meus amigos, os filhos deles, os nossos pontos de encontro em todas essas encruzilhadas... são todas as únicas vitórias bem sucedidas da minha vida. Meu porto, meu caminho de volta para casa.

É ali, onde eu me encontro de novo, depois de tempos perdida. É ali, onde há amor e desamor. Mas o desamor é só o amar um pouco menos e isso nunca me preocupou.

Contanto que haja amor.



"Eu preciso escrever sobre esta tarde"

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

um sonho

Jú Mancin

d °_* b andrea doria, legião urbana

Aos sete tive um sonho...

Chegava com meus pais numa festa da parte abastada da família. Era noite. A poucos passos da entrada, éramos abordados por um garoto, com 17 ou 18 anos no máximo. Um estranho, de olhos profundos, maltrapilho e sujo. Puxando no ombro um carrinho, desses que se usa para recolher papelão, carregado de papéis e sujeira. [A imagem desse garoto habitou minha mente por anos, não me lembro exatamente dos traços, mas me lembro dos cabelos, castanho-acobreado, desgrenhados...e dos olhos de cor indefinida entre o castanho e o verde, mas o olhar dele pesava sobre mim. Algo na voz dele me assombrava, era calma, musical. Era um estranho enigmático.] Eu tinha sete anos. Via-me ali, acuada atrás dos meus pais, como que prevendo o absurdo...
Sem muitas palavras meu pai pegou-me no colo, e estendeu-me para ele. O estranho assustador me tomou nos braços, gentilmente, me colocou em meio às quinquilharias que carregava em seu carro de catar papéis e se afastou lentamente.

A dor que eu senti naquele momento, num sonho, tenha sido talvez, a dor que eu jamais senti em sã consciência. Avistava meu pai de costas pra mim, entrando numa festa da família, todo o meu mundo estava ali, pra dentro daqueles portões que não cruzei. Vi, com assombro minha ilha da fantasia se perder na neblina. Quando não mais avistei a casa, a festa, olhei pro céu. Escuro. Pelas ruas mal iluminadas sentia meu corpo desfalecer. Nem lágrimas eu verti. Não podia acreditar naquilo...

Ao mesmo tempo em que eu temia aquele garoto, me sentia à vontade. Ele realmente gostava de mim, me queria com ele. Nós seguimos por ruas escuras e esburacadas. Juntos até não sei onde. Acordei.

Passei muito tempo tentando esquecer a náusea que aquele sonho me provocou, sempre que fechava os olhos me via sendo arrastada pra noite, por um magnético desconhecido.

Fui crescendo, até que um dia meus sonhos eram outros. Hormônios em ebulição. Eu gostava pacas dos garotos, esqueci o sonho e me ocupei com a adolescência, com o ginásio, me ocupei com música e fotografias. Aprendi a ler. Fui crescendo...

Um dia, já bem crescida, misturei malte destilado aos Stones.

POESIA! Estava ali o meu estranho de olhos profundos, encarando-me novamente, com o mesmo ardor. Meu anjo de asas negras. O rei de todos os ladrões. Minha passagem de ida para todas as estradas erradas. Minha noite estrelada. Minha carona num carrinho de carregar papéis. O veneno da serpente...
Fim do meu enigma. Aquele garoto do meu sonho era Rimbaud, Leminski, Drummond, Espanca, Homero, Goethe (Werther morrendo de amor), Clarice, Shakeaspere e Pessoa. O estranho garoto que me roubou da minha vida era a poesia!

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

S.O.S.

Jú Mancin
d °_° b 9ª Sinfonia de Bethoveen [risos]

Raulseixisticamente falando sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, e tapanacara faz parte da brincadeira...
Eu quero é mais...
Eu quero mesmo é cantar iê-iê-iê...
E eheee! ahaaa! Quando acabar o maluco sou eu...
Eu sou louco mas-sou-feliz!
[baby, baby, baby eu preciso parar]
paranóia...para nóia...pááááára nóia!

Mentir sozinha eu sou capaz, mas sonho que se sonha junto é realidade!
E raulseixisticamente falando, gente nasceu pra querer e quando consegue um dedo já não serve mais, quer a mão...é que gente, gente nasceu pra querer, caralho!
E o que eu quero, eu vou conseguir...pois-quandoeuquero-todosquerem-quandoeuquero-todomundopedemais-e-pede-bis!

Babilina, minha filha, sai desse bordel, e foge pra morrer em paz...Joga no rio esse sapato 36 e cospe o caroço da manga, isso é indigesto menina!!!

Eu quero mesmo é gostar de você!!! E o que eu quero, eu vou conseguir...
Ai, ai, ai...eu quero é muito mais! [eu sou que nem um vira-lata vagabundo, meu maior prazer do mundo é ter você pra fareja-a-aaar] rs

O moço do disco voador tá olhando pra minha cara com cara de veado que viu caxinguelê, e tá na hora do trem passar [trazendo de longe as cinzas do velho aeon]
E raulseixisticamente falando pára o mundo que eu quero descer!

PS – com tanta estrela pra pouca constelação o best-seller vai pra milésima edição...
CER-TE-ZA!!!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

.ciao amore.

Jú Mancin

d `-´ b Buena, Morphine

Não são súplicas. Pega leve meu bem, tenta entender.

[nothing is gonna change my world]

O que está feito, está feito. E o circo está pegando fogo (do jeitim que eu gosto), a trapezista caiu no picadeiro. Tem palhaço correndo pra todo lado. Mira, mira meu amor! A equilibrista na corda-bamba de sombrinha. [em cada passo nessa linha, pode se machucar].
Ela não vai descer. O céu é o limite!

Adoro entrelinhas. Eu escrevo, todos lêem, alguns entendem. É assim que deve funcionar. Tá acompanhando? Não né?! Depois eu faço um desenhinho...

Harold ama Maude que ama Harold e sabe por que eles não ficam juntos no final? Porque eles juntos, meu amor, não rola...

Coisas da vida. Coisas do cinema....

- ô Alemão, dê aí uma boa definição pra AMOR...
- Definição pra AMOR??? É fooooda, hein!

É... É foda! Ha-ha...

Blá-blá-blá eu te amo mas chega dessa punhetagem [eu quero uma garota que já tenha sexperienced...rs], vou pra cama que já é tarde!

...vá ver se eu tô lá na esquina-devo-estar
a lua me chama eu tenho que ir pra rua...
TCHAU!!!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

bobagem mística

Jú Mancin

d °_° b love street, the doors

era um anjo de muletas.
tomou das minhas mãos o violão, e ajoelhando-se diante de mim, sorriu cantando algo sobre o fim do nosso amor.
era um velho anjo, já curvado pelo peso dos anos, de mãos sofridas e calejadas...
um jovem senhor, que sem pretensões falou do meu sorriso [ali, naquela calçada]
disse-me de uma beleza que eu nunca tive.
contou-me da vida, do amor e da dor...
e não falou das flores. falou de vidros. [e música]
um jovem senhor anjo de muletas mestre vidreiro músico, ali mesmo, no movimentado bairro da metrópole.
soprou luz em meus ouvidos.
levantou-se com muito esforço, devolveu-me o violão.
e desejando-me sorte, partiu com seu par de muletas.

é. eu acredito em fadas!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O velho novo

Lu Minami


Ouvindo: Killian´s Red
(Nada Surf)


“Na certa, algum desavisado que recebeu de herança ou achou no porão de casa uma caixa com esses discos e achou melhor vender tudo”, pensou enquanto puxava um vinil do Chico Buarque de 1966 novo em folha. Nas mãos, sentiu o cheiro de novo. Parecia ter acabado de sair da prensa. Brilhava sem nenhum riscado. A capa, sem marca de traças e o plástico sem amassado. “8 reais” e levou.

Andando por ali, viu as histórias de gente que morreu ou que ainda estava viva sem saber o motivo. Imaginou o mundo visto por aqueles óculos antigos, amarelados. “O mundo amarelo devia ser mais ensolarado”, foi um pensamento estranho e rápido que ele nem se deu conta, enquanto andava em meio aos pratos e baixelas que um dia serviram comidas quentes, que alimentaram estômagos alheios. Olhou o vestido cinza de fita rosa na cintura. Era de menina nova, vinha com sapatinhos de cetim do mesmo tecido da fita. Presa na gola, um broche de flor de seda que não combinava. Imaginou a menina velha, olhando tristemente um retrato que havia lhe restado.

A boneca antiga e já sem roupas sentava em cima de uma cômoda de madeira muito velha e sem puxadores. Estava suja e com os cabelos empoeirados. Na certa, havia sido violada por algum irmão mais novo, curioso com o corpo feminino numa época em que era proibido desvelar as intimidades. Pensou no menino manuseando os soldadinhos de chumbo, hoje vendidos por uma verdadeira fortuna, embalados um a um. Certamente o garoto tentou descascar as roupas dos soldados também, pelas marcas e ranhuras nas calças azuis dos bonecos.

O cheiro da feira era de mofo em grande parte do trajeto. Anotou mentalmente as dedicatórias em cada livro.

“Com amor e toda a dedicação aos seus estudos, sua mãe, Matilda. Fevereiro de 1944.”
“Lourdes, receba os versos do verão que se aproxima. Com amor, Antônio”

Abriu um sem título, com as folhas pintadas de dourado e viu cair uma flor seca. Guardou, como relíquia, olhando para os lados para certificar-se de que o furto era discreto. Decerto numa tarde, a moça recebeu as rosas ainda frescas e guardou uma apenas no seu livro de versos predileto. Havia manchas das pétalas que foram prensadas e desidratadas contra o peso de quinhentas páginas. Pensou em lágrimas derrubadas entre a página 42 e 58. As orelhas das folhas nessas páginas estavam puídas, como se houvessem sido lidas centenas de vezes. Fechou o livro com respeito, deixou ali entre quadrinhos e livros de astrologia.

Colares que habitaram os pescoços de mulheres que desejavam ser desejadas. Pulseiras que arrebentaram suas contas com a força de um tapa merecido. Oratórios sem verniz, onde hoje habitam somente os cupins e jaziam sem vida todos os pedidos e orações. O espelho do toucador, que já viu rostos demais e preferiu a coberta de fungos ao invés de olhar novamente os olhos vaidosos que nunca mudam.

Havia cheiro de morte em todo o lugar, mas também o vento de lembranças e risos perdidos por entre os anos.
Ele sorriu, com as sacolinhas nos braços, contente por suas novas lembranças adquiridas.



(...)
'cause i left you a note that said

come on out and we'll both get
right off of our heads
and float up off the chair
we'll go on vacation tonight
under a sun of neon light
and i almost love this town
when i'm by your side
(...)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

.primavera.

Jú Mancin

d °_* b on a plain, nirvana

...'cause it makes me feel like a man
when I put a spike into my vein...

ah sagrada papoula! dá-me asas para ver do alto...
saca-me da fétida cela que me enclausura...
arranca-me de mim!
faz-me sangrar para sorrir...
toma minh'alma...
Dá-me o Nirvana!

Anjo de negras asas, quero o fogo de sua aureola...
[há um circo ansioso pelo incêndio]
morfina pro corpo...
morphine pra alma...

Hoje sou Reed à espera do beijo do acalento...

domingo, 16 de setembro de 2007

I can see in the dark!

Jú Mancin

d °_° b Infra-red, Placebo (beeeeeeem alto)

pobre coração solitário, que buscas aqui?!
doces palavras?
só encontrará o fel da desilusão...
nada além de mentiras secretas
não há promessas, é só um novo lugar!

welcome to neverland!!!

...someone call the ambulance
there´s gonna be an accident...
I´ll find you,´cause I can see in the dark!!!

terça-feira, 11 de setembro de 2007

o que não tem juízo

Jú Mancin

d °_° b candy says, the velvet underground

olha pra mim. o que você vê?
te vejo de longe, no escuro, na chuva.
sua voz vem no vento que sopra na minha janela,
sussurra segredos dessa vida a tôa...
pensamentos rasgam minha alma,
estremeço e choro.
imploro uma trégua ao meu coração.
meus dedos não me obedecem, e insistem
tenho algo a te dizer
todo meu corpo clama por essa bobagem
tudo em mim é uma confissão.

E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo
O que será que será?
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem juízo

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

meu corpo ou minha alma?

Jú Mancin

d °_° b Love Song, Syd Barrett

em 1871, Rimbaud já dizia que era preciso reinventar o amor.
em 2007 eu digo que ninguém ouviu rimbaud.
chegamos à lua. construímos máquinas. dominamos a tecnologia nuclear. lançamos bombas, derrubamos prédios e aviões. nos comunicamos por mar, terra e via embratel.
e o amor?
a mesma babaquice de sempre.
PRECISAMOS REINVENTAR O AMOR!

domingo, 9 de setembro de 2007

.para Duda.

Jú Mancin

d *_* b us and them, Pink Floyd

Sê bem-vinda ao mundo,
doce criatura!

Ouça Peter tocando a flauta,
soprando a brisa da vida leve...

Deixe seus pés caminhar livremente por aí!
Aprenda a apreciar a graça das flores...
Fique longe dos espinhos!

Não espere que o mundo seja doce como tu.
Ele não é!
Mas mesmo assim, ainda vale a pena!

Beba a vida
e sê bem-vinda,
doce criatura!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Tempo e Vento

Lu Minami


Ouvindo: Não fale de Maria
(Chico Buarque)


Era um vento carregado de cheiro de rosa antiga. Forte que destelhava os casebres e arrancava as roupas do varal. Constante que marolava o açude e assoviava o canavial.
Ela olhava a lápide cinza de velha, como quem faz serenata para o passado. Deita a mão sobre a primeira letra do nome. Pousa com gentileza e até um pouco de pudor os lábios no relevo da cruz que marca a data do último suspiro.
Uma lágrima com gosto de maquiagem barata e poeira faz sua marca na foto do defunto. Bem no ombro esquerdo.
Ela abre o guarda-chuva. Não chove, mas pressente a umidade no ar que carrega para longe suas cartas dentro da memória.

O coveiro nem dá conta. Faz sol e calor naquele dia empoeirado. Olhou suas mãos amarelas e cheias de calos. Segurou a pá com força. Justo hoje uma exumação. Nesse calor, todo o fedor. Precisava ver isso hoje? Era caso de polícia. Disseram que o morto não morreu dormindo. Morreu matado, de veneno. E sobrava para ele tirar o homem do buraco. Olha para trás, com o suor salgado escorrendo pelos sulcos marcados no rosto, como rios secos de uma vida cheia de morte que ele enterrava todo dia, há tempo demais. Uma sombrinha vermelha sob um vestido preto. Agachada, a moça parecia quase dormir. Coça a cabeça, cospe no chão. Continua a cavar. Vento maldito.

As mãos no volante suavam. Queria logo ir embora, tomar uma cerveja no bar do zizu, jogar truco, palitar a boca. A espera o irritava. Queria ar-condicionado. Mas não tinha dinheiro. Nem o carro estava pago. Mas também, ia chover mulher para andar com ele. E ele pensava no sopro gelado que ia atravessar a blusa das moças. Sorriu, infame. Queria mesmo era vida de marajá, com piscina na casa, para ver as meninas da cidade tomarem banho. A pele branca e as bocas de coração o faziam sorrir com todos os dentes amarelos do outono. Olha por entre as cruzes. Lastima o concreto podre, as cruzes aleijadas, os anjos sem asas. Tanto tempo que não via sua menina de vestido preto. Tanto tempo sem ver nada além daquele pouco terreno. Vê o coveiro coçar a cabeça, dar uma escarrada no chão e olhar para o outro lado, parado, admirando coisa alguma.

É primavera.
Caem os primeiros pingos.
Caem as pétalas mortas de crisântemos.
...




"Não fala de Maria
Maria lembra mar
Que lembra aquele dia
Que não é bom lembrar
Que dia, que tristeza
Que noite, que agonia
Que puxa a correnteza
E traz a maresia
E bate aquele vento
Que lembra um assobio
Que lembra um sofrimento
Que eu não merecia
Não fala não, te esconjuro
Que só de imaginar
O tempo fica escuro
E o espanto agita o mar
Que lembra aquele dia
Que lembra uma canção
Que faz lembrar Maria
E aí não lembro não
A coisa fica séria"

terça-feira, 4 de setembro de 2007

someone in my head but it´s not me

Jú Mancin

d °~° b brain damage, pink floyd

.the lunatic is in my head.

minha mãe dizia: Juliana, não põe o dedo na tomada!
eu ouvia: Juliana, PÕE o dedo na tomada!

Não que eu seja dada à rebeldia, até tive essa fase, mas já passou. Sou dada à idiotice.

Não pise na grama!
Não mexa! Tinta fresca.
Não fume!
Não beba!
Não faça barulho!
Não ultrapasse!

blá, blá, blá, blá... eu piso, mexo, fumo, bebo, grito e ultrapasso!
O único "não" que eu respeito é o do Raul. NÃO PARE NA PISTA!

[MODE queda-livre STDBY]

.I´ll see you on the dark side of the moon.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Maria Pintada de Prata

Jú Mancin

d *_* b opel, syd barrett

um conto do vampiro!

Maria Pintada de Prata
Dalton Trevisan

GRANDALHÃO, voz retumbante, é adorado pelos filhos. João não vive bem com Maria ambiciosa, quer enfeitar a casa de brincos e tetéias. Ele ganha pouco, mal pode com os gastos mínimos. Economiza um dinheirinho, lá se foi com a asma do guri, um dente de ouro da mulher. Ela não menos trabalhadeira: faz todo o serviço, engoma a roupinha dos meninos, costura as camisas do marido. Inconformada porém da sorte, humilhando o homem na presença da sogra.

Para não discutir ele apanha o chapéu, bate a porta, bebe no boteco. Um dos pequenos lhe agarra a ponta do paletó:
— Não vá, pai. Por favor, paizinho.
Comove-se de ser chamado Paizinho. Relutante, volta-se para a fulana: em cada olho um grito castanho de ódio.
— O paizinho vai dar uma volta.
Tão grande e forte, embriaga-se fácil com alguns cálices. Estado lastimável, atropelando as palavras, é o palhaço do botequim. E, pior que tudo, sente-se desgraçado, quer o conchego do corpo gostoso da mulher.
Mais discutem, mais ele bebe e falta dinheiro em casa. Maria se emboneca, muito pintada e gasta pelos trabalhos caseiros. Desespero de João e escândalo das famílias, a pobre senhora, feia e nariguda, canta no tanque e diante do espelho as mil marchinhas de carnaval. Os filhos largados na rua, ocupada em depilar sobrancelha e encurtar a saia — no braço o riso de pulseiras baratas.
Com uma vizinha de má fama inscreve-se no programa de calouro:
— Sou artista exclusiva — ufana-se, com sotaque pernóstico.
— A féria é gorda! Aos colegas de rádio oferece salgadinhos e cerveja.
João escapole pelos fundos, envergonhado da barba por fazer. Volta bêbado e Maria tranca a porta do quarto, obrigado a dormir no sofá da sala. Noite de inverno, o filho mais velho, ao escutá-lo gemer, traz um cobertor:
— Durma, paizinho.
A cada sucesso de Maria — o quinto prêmio da marchinha, o retrato no jornal, a carta com pedido de autógrafo:
— Ela ainda recebe uma vaia — é o comentário de João. - Com uma boa vaia ela aprende!
Ó não — essa aí quem é de cabelo oxigenado? Acompanhada a casa, horas mortas, pelo parceiro de vida artística. Ora o cantor de tangos, ora o mágico de ciências ocultas. Demora-se aos beijos na porta e as mães proíbem as crianças de brincar com os dois meninos. João sabe que é o fim — dona casada que tinge o cabelo não é séria. Vai dormir no puxado da lenha, encolhido na enxerga imunda, a garrafa na mão.
Dois dias fechado (assusta-lhe a própria força e jamais bate nos filhos), urra palavrão e desfere murro na parede. Maria faz as malas e, sem que os pequenos se despeçam de João, muda-se para casa dos pais.
Lá deixa os meninos e amiga-se com um pianista de clube noturno. Mais uma bailarina, que obriga os clientes a beber. O pianista, vicioso e tísico, toma-lhe o dinheiro e, se a féria não é gorda, ainda apanha.
Cansada de surra, volta à casa dos pais. Então a velha sai em busca de João e sugere as pazes.
— Ela que fique onde está. Não quero Maria, nem pintada de prata.
Despedido da fábrica por embriaguez, sobrevive com biscates. Ao vestir o paletó, da manga surge uma cobra e, aos berros, lança-o no fogo. Aranha cabeluda morde-lhe a nuca; inútil esmagá-la com o sapato, de uma nascem duas e três — enrodilha-se medroso a um canto e esconde nos joelhos a cabeça.
Domingo recebe a visita dos filhos, enviados pela sogra. Divertem-se no Passeio Público a espiar os macaquinhos. O pai compra amendoim e pipoca, que os três mordiscam deliciados. Afasta-se de mansinho e, atrás de uma árvore, empina a garrafa saliente no bolso traseiro da calça — as mãos cessam de tremer. Os meninos desviam os olhos: sapato furado, calça rasgada, paletó sem botão. Alisando a mão gigantesca:
— Não, paizinho. Não beba mais, pai.
Lágrimas correm pelo narigão de cogumelo encarnado. Despede-se com sorriso sem dentes. Na esquina gorgoleja a cachaça até a última gota.
Em delírio na sarjeta, recolhido três vezes ao hospício. A crise medonha da desintoxicação, solto quinze dias mais tarde. Mal cruza o portão, entra no primeiro boteco.
Maria cai nos braços do mágico de ciências ocultas e, proibida de cantar com voz tão horrorosa, consola-se no tanque de roupa. Nem o amante nem os velhos querem saber dos piás, internados no asilo de órfãos.
Cada um aprende seu ofício e, no último domingo do mês, com permissão da freira, vão bem penteadinhos à casa do pai. Ainda deitado, curte a ressaca; com alguns goles sente-se melhor. Os pequenos varrem a casa, acendem o fogo, olhinho irritado pela fumaça. No almoço apresentam café com pão e salame rosa. Sentado na cama, o pai contenta-se em vê-los comer. Sorri em paz, um deles enxuga-lhe o suor frio da testa. Sem coragem de abandoná-lo, os filhos a seu lado durante a noite: fala bobagem, treme da cabeça aos pés, bolhas de escuma espirram no canto da boca.
Os meninos adormecem, ouvindo o ronco feio do afogado. O maior acorda no meio da noite, vai espiar o pai em sossego, olho branco. Fala com ele, não se mexe. Tem medo e chama o irmão:
— O paizinho morreu.
Sem chorar, encolhidos na beira da cama, à escuta dos pardais da manhã.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

au revoir, xuxu!!!

Jú Mancin

d *_* b two of us, the beatles

vai meu irmão...
Estranho seria se eu não viesse até aqui, nessas mal-traçadas linhas, desejar-lhe boa sorte! Dizer a ti que o tempo é curto e passa rápido e que Bellême é só mais um trechinho da estrada.
Que vou sentir sua falta, e que a vida vai ser um tanto mais complicada sem teu ombro amigo.
Que a terra do nunca te reconhece plenamente com um lostboy, e deseja que o mundo não a endureça. [NÃO CRESÇA!!!].
Que despedidas são maçantes e reencontros valem a pena!
...pega esse avião...
Respire Paris! Respire por mim...
Viva Godard, Truffaut e a nouvelle vague. Viva um bistrô (dispenso o iscargô), profiteroles, boujolais e petit gateau. Viva a Champs Elysèes. Arc d´triumph. Notre Damme. Liberté, Egalité, Fraternité. VIVA A FRANÇA!
...você tem razão...
Vai na paz, minha flor. Que aqui o rebanho vai tá seguro. Ou não...
Vai na boa, que aqui vai ter muito barulho pra abafar a falta de você.
...de correr assim...
Te vejo quando o carnaval chegar. Entre confetes e serpentinas. A sarjeta é nossa!!!
...vê como é que anda aquela vida à tôa...
...e se puder me manda uma notícia boa!
Bon Voyage sister!!!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Boa viagem...

Lu Minami

Ouvindo: Sobrenatural
(Ludov)



Ei, eu sei que é necessário.
Eu sei que é fisiológico e mora no sangue essa sua vontade louca e maluca de ir embora.
Sim, eu prometo que não vou pensar que está me abandonando.

Faça o seguinte. Não olhe para trás. Assim eu posso pensar com os meus botões cor-de-rosa que você esqueceu de olhar a última vez para mim e aí quem sabe você volta para mais um riso fácil. Ou então que eu possa ir atrás de você um dia, cutucar seu ombro e dizer: Porque você não me disse tchau, porra?!

Já que você vai, eu preciso me despedir. Que seja um mês, três anos, 8 meses ou 5 meses. Que seja para aqui do lado ou para a China. Eu acredito em despedida porque é o momento em que a única coisa que eu te peço é que você permita que o mundo entre dentro de você para mudar as chaves do seu coração, embananar tudo e fazer você olhar o céu como se fosse a primeira vez. E sim, se assustar ao pensar que são as mesmas estrelas que eu daqui estou admirando e pensando em você.

Hehe... assusta né?
Não se preocupe, é só o nosso cobertor de sonhos, cheio de vagalumes que se agitam para nos lembrar que o tempo é curto, mas ainda não é pouco. Por isso, vou deixar essa ruguinha que começou a nascer perto do meu olho direito crescer mais para você perceber quando voltar.

Sabe, pise com cuidado nesse chão que você nunca viu. Quem sabe quem já passou por ele e quais os caminhos que foram tomados depois? Respeite o chão e o céu. Entre ele, estamos nós, mudando o mundo dentro e fora dos nossos olhos. Estamos ali, com todas as sinapses ligadas, captando todos os rostos, cheiros e gostos, torcendo para que daqui a algumas décadas uma dessas lembranças nos assole de repente e nos faça sorrir sem motivo, carregado de uma pureza que não vai mais existir na gente.

De tudo que vai mudar daqui pra frente, eu só te garanto só uma coisa.
Esse abraço continua igual. E é seu.

Faça uma boa viagem e se cuide.
Traga você de volta para mim.


Com amor,
Lu




*** para todos aqueles que eu amo e que estão partindo esta semana, ou
partiram há 1 mês ou que ainda vão embora daqui a 2 semanas.
(para: Ligia, Lele, Telma, Henrique, Bruno e Rapha)

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

...

Plágio

Suas palavras dobradas
Na algibeira levei
A cabeça enfeitada de alpiste
Para que os pássaros cantassem de papo cheio

Indo ao encontro do teu corpo
Tua alma foi queimando minha garganta
E eu tossia

Tive a visão mais crua e nítida
Onde havia a pessoa ilustre
A vazia beleza morta

Derramo estes versos parcos
Pois há muito secaram-me as lágrimas
Perdida a esperança humana

Deixo contigo o infinito
distante do absurdo dos mundos
& longe das horas...

em memória de Murilinho

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Em terra de cego... quem tem olho é desavisado mesmo.

Lu Minami

Ouvindo: Length of Love
(Interpol)


Disseram que só faço merda. Assim, a rodo, espalhando tudo, como se cagasse num espanador e limpasse a casa toda. O que sobrar, taco no ventilador. E o pior, às vezes é pura distração mesmo.
Disseram que foi daquele jeito, enquanto um falava o outro fingia que ouvia e eu não sabia de nada. Disseram também que eu sou cega para mim. E para os outros, enxergo até a poeira que insiste em morar na gola da blusa, a 100 kilometros de distância. Deve ser verdade.
É que a minha felicidade é difícil mesmo. É daquelas que o manual nem existe, porque as engenhocas mais simples e obsoletas do mundo, ninguém mais sabe usar e tirar o melhor. Não preciso nem de clic, nem de botão, porque na minha época essas coisas não existiam. Eu juro que é simples. Mas parece que é braille para quem não tem mão.
Não precisa de muito. Na verdade precisa de muito pouco. É que o brilhar de olhos hoje em dia quase não existe mais, por pura neblina que essa cidade insiste em baixar a tais horas da manhã, tarde e noite. E que a merda toda que eu faço e vivo espalhando por todo canto é na verdade uma tentativa desesperada de fazer dar certo, mas sem saber direito como. Mas a intenção vale?

Para os últimos corações egoístas, não.

E por isso eu fico cansada. Canso daqueles que dizem que vão e nunca aparecem; daqueles que fazem sexo sem amor só para tapar o buraco com nada; das notícias estranhas que me fazem chorar e perguntar o que está acontecendo; das sementes que a gente rega e não florescem; do passado sem futuro. Cansei de perder aos poucos a menina e ganhar todo dia um punhado a mais de mulher mal-resolvida achando que está decidida e focada; cansei das luzes daquelas festas que arrancam tudo de mim e não deixam nada; cansei das promessas que nunca vão ser cumpridas, mas que eu, ainda assim, permaneço parada porque quero ouvir “prometo”. Cansei dessa vida de gente grande que precisa rodar uma taça com 1 centimetro de vinho e o nariz entuchado lá dentro com o mesmo objetivo de ficar bêbado.

Sabe qual é o problema?
O erro não parece acerto. E acho que precisa ser cego mesmo para perceber que o tudo errado está deliciosamente certo.

Estou aqui, aguardando os próximos erros.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

.stilitano.

Jú Mancin

d ^_^ b spirit on the water, bob dylan

- Está me gozando?
- Um pouco – disse ele.
- Aproveite.
Arregalando os olhos, ele sorriu outra vez.
- Por quê?
- Você sabe que é bonito. E pensa que pode zombar de todo mundo.
- É o meu direito, sou bacana.
- Você tem certeza?
Ele caiu na risada.
- Claro. Não tem como se enganar. Sou tão simpático que às vezes tem gente que gruda. Para me livrar deles, tenho de fazer sujeiras.



é uma flecha no meu coração!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

GOD SAVE PoA!

Jú Mancin

d *_* b Lia, Identidade


CARALHO, O ROCK GAUCHO VAI SALVAR O ROCK BRASILEIRO!

www.myspace.com/jupiterapple [bah, clichê]

www.myspace.com/identidaderock [PUTAQUEPARIU, que coisa boa!]

www.myspace.com/cascavelletes [isso é velho!]

terça-feira, 14 de agosto de 2007

um diálogo

Jú Mancin

d °_* b Claire, Morphine

- ele bebe!
- eu também, ué!
- é. mas ele é mau-caráter...
- tsc. só faz tipo.
- ele mente!
- e mente bem. mas é sempre por uma boa causa...
- o cara é mulherengo, caspita!
- é, isso é mesmo... IR-RE-SIS-TÍ-VEL! aiai...
- ele é bipolar!
- xiiii bi? HA-HA...se pudesse ele seria TRIpolar!
- mas ele é junkie!!!
- [risos]...poesia, PURA poesia!
- AAAAH! eu desisto. DE-SIS-TO!!!
- já? ele insistiria um pouco mais...

Vai entender a mulherada...

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Jupiter em SP




Jú Mancin

d *_* b shine on you crazy diamond, Pink Floyd

Mr. Jupiter Maçã/Apple, se apresenta no Inferno, na Augusta, em SP nesse sábado.

Eu vou!

Por hoje é só pessoal...

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Entre Peter e Alice

Lu Minami

Ouvindo: Beautiful
(Belle and Sebastian
)


27 anos, pseudo-formada. Alguma coisa que possa se chamar de carreira. Passados os anos de bobeira e bebedeira desenfreada quando ainda dava para pagar uns micos, a prestação. Eu ainda tenho meus ímpetos infantis, mas não passa disso: criança brincando. Alguns relacionamentos falidos, algumas mágoas grandes e traumas quase irrecuperáveis. A vontade de casar e o relogio biologico querendo tocar o alarme. Apesar disso, eu me auto-saboto e atraso os minutos, as horas, os dias e os anos. Ainda gosto do all star, do rabo de cavalo, da falta de maquiagem, dos pulos em poças de lama. Ainda gosto de dançar igual à Uma Thurman e tentar lembrar da coreografia de Thriller. Gosto de palavrão, de ver desenho e de tentar brincar com o skate apodrecido que ainda mora no quartinho esquecido dos fundos.

Deve ser por isso que eu ainda acho que posso me encantar platonicamente por alguém que eu nunca vi. Não é como antes, que eu comprava os posters dos garotos propaganda, dos caras das bandas bregas, dos atores de novela e deixava a minha baba escorrer pateticamente, num mundo criado só para mim. Não é para tanto, mas é um pouco assim.

Eu gostei do seu cabelo, do seu sorriso, da sua pele clara que tem pelo na perna e não tem no braço. Eu gostei do riso fácil e das sobrancelhas arqueadas, que viram caretas sensacionais. Eu gostei do seu cheiro, deu prá adivinhar. Eu gostei do calorzinho gostoso que deve ter sua pele, seu peito, seu abraço. Eu gostei até da barba, que deve ser macia. Eu gostei de mim quando vi você. Fazia tanto tempo que isso não acontecia que comecei a rir sozinha sem ninguém entender, a não ser uma partezinha que já estava esquecida dentro de mim. Por trás de toda essa capacidade que eu tenho de não amar ninguém e essa carcaça dura e gelada, esqueci que ainda dá para se encantar e amornar. E você é só um menino, oras. Eu gostei de tudo que você gosta. Eu sei que você deve ter alargadores e tatuagens e talvez cabelo colorido, mas e daí? Eu sei que vou achar tudo lindo. Depois a gente resolve como fazer quando você for no clube com meus pais no domingo. Eu gostei de tudo que eu ainda não conheço, mas sei que você vai me mostrar, assim como eu também devo te ensinar alguma coisa sobre qualquer coisa, isso se você já não souber o bastante. Eu queria me vangloriar de ter lido algumas coisas legais, mas sabe, acho que vou ler para você dormir numa cama nossa grande e espaçosa. Eu gostei das suas fotos, o jeito como olha as coisas. Acho que vou gostar do jeito que você vai olhar para mim um dia e, mesmo que eu seja míope e estrábica, garanto que nessa hora, minha visão vai se tornar clara e iluminada.


Mas vê lá. Você é criação minha, exclusivamente minha e qualquer sósia que eu veja por aí carregando suas camisetas e mochilas no corpo, talvez seja de novo absorvido pela incapacidade que eu tenho de construir coisas eternas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

América Poesia!

Jú Mancin

d °_° b Nem tão óbvio, O Plágio

Entre lagos e vulcões, um tango aqui e um pisco ali, se pinta a América poética!
Entre tantos, Valparaíso continua sendo a minha favorita.
Não, não digeri toda a viagem ainda. As memórias ainda estão muito frescas e não me inspiram a escrever. Mas Neruda é sempre Neruda...

Aqui te amo.
En los oscuros pinos se desenreda el viento.
Fosforece la luna sobre las aguas errantes.
Andan días iguales persiguiendose.

Se desciñe la niebla en danzantes figuras.
Una gaivota de plata se desculega del ocaso.
A veces una vela. Altas, altas estrellas.

O la cruz negra de un barco.
Solo.
A veces amanezco, y hasta mi alma está húmeda.
Suena, resuena el mar lejano.
Este es un puerto.
Aqui te amo.

Aqui te amo y en vano te oculta el horizonte.
Te estoy amando aún entre estas frías cosas.
A veces van mis besos en esos barcos graves,
que corren por el mar hacia donde no llegan.

Ya me veo olvidado como estas viejas anclas.
Son más tristes los muelles cuando atraca la tarde.
Se fastiga mi vida inútilmente hambrienta.
Amo lo que no tengo. Estás tú tan distante.

nhéc nhéc

Lu Minami


Ouvindo: Rolling Stones prá cacete.


5h40 da manhã.
É, eu vi você saindo pela porta da frente. Pé ante pé, agachando-se para pegar o casaco, a meia, a carteira e o celular. Olhei por entre as cortinas do 7º andar e pensei se você ia tomar um banho e tirar o gosto e o cheiro meus impregnados em algum lugar do seu pescoço.
Ouvi o barulho angustiante dos seus pés no taco de madeira, perto do sofá. Parecia um olhar de desprezo, um leve acenar de uma mão só e as costas se virando para mim. Aquela parte do chão range demais. E ouvi o blam da porta e o clic da maçaneta.
Imaginei que horas seriam. Ah sim, 5h42. Olhei para o céu de novo. Azul escuro e lilás, uma luz estranha, meio morta e uns passarinhos chatos anunciando o dia novo ou aqueles que se despedem de mais uma noite, não sei. Aquele piado era dolorido demais. Começar ou terminar doía no fim das contas. O silencioso durante era melhor.
Vesti calças puídas, tênis e botei meu pulôver desfiado na manga para sair correndo atrás de você. Desci a rua, olhei para os lados e nada havia senão os de sempre, que nada têm a fazer domingo de madrugada a não ser andar para lugar algum.
Era para ser como naquele filme onde ela esquece de colocar as calças e sai correndo atrás do moço bem vestido, no frio, com trilha sonora de tudo-vai-dar-certo-no-final. Passei pela ponte, olhei as luminárias do centro envoltas numa neblina de poluição provavelmente. Nada londrino. Subi correndo a rua Augusta, você pega seu ônibus ali. Mas o que vi nos pontos foram as putas felizes por terem conseguido a grana do fim de semana, a galera saindo do Vegas e do Outs, os gays se abraçando felizes por mais uma trepada a caminho. Os casais de braços dados até chegarem no carro ou no metrô para então brigarem pelo mesmo motivo. “Você não me ama mais!”.
A avenida Paulista cheia de carros e eu olhei dentro de cada ônibus esperando encontrar teu rosto olhando para baixo, procurando alguma musica para cantarolar. Cante aquela do Rolling Stones, eu pedia numa vaga tentativa de ser telepática. Estava sendo patética na verdade. Talvez, só talvez, se eu conseguisse seguir o que minha mãe dizia quando eu era pequena “filha, pense com força, esforce-se que tudo dá certo”. Filhos não ouvem os pais, veio aquela voz metálica dentro da minha cabeça. Que merda...
Andei por toda a avenida, desci a Ministro, caí no Trianon. Haviam os miches de costume, que olhavam para mim e logo desistiam. “Essa maluca não quer a gente, quer só um”. Respiro aliviada o ar gelado e fresco misturado à um pouco de cheiro de esgoto e me sinto em casa. Volto aos poucos, sentindo cada passo meu, no asfalto e nas falhas da calçada; sinto cheiro de pão com perfume barato. Cigarro e aquele cheiro estranho de gelo seco que fica na roupa. Estadão lotado, pernil e gente para todo o lado.
Subo até o sétimo andar. Espero sentada no braço do sofá, observando meus pés brincarem com o ranger dos tacos.

Clic e blam. Meus olhos piscam meio úmidos na sua direção. Você canta baixinho aquela canção.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

ViDa

Lu Minami

Ouvindo: Black Rooster
(The Kills)



O que acontece entre você e eu não poderia ser explicado por Freud, Jung, Arnaldo Jabor, Nelson Rodrigues, Quiroga, Nietzsche, Chico Buarque, Paulo Coelho ou Xico Sá. Eu não sei por que falo com você e você não faz a mínima idéia do que está fazendo quando ensaia nossos encontros e as nossas musicas.

Existia um pavor mutuo que, no meu caso, já se foi. Eu já deixei de ter medo de algo com você. Mas parece que você ainda continua amedrontado com a idéia de bater de frente comigo e enfrentar todo o meu mundo, as paredes e portas de possibilidades. Você parece saber que o muro é frágil e pode ser facilmente derrubado para que outro seja construído e eu lhe dei todas as cópias das chaves e as britadeiras necessárias. Inclusive daquelas que nem imagino quais portas ou janelas abrem. E?

Se a minha insônia não tinha fundamento antes, agora ela habita minhas madrugadas com propriedade. E não que eu queira que você segure a minha mão para sempre e me conduza por um caminho de flores. Puta merda, não! Eu quero que suas mãos façam outras coisas e me conduzam para as estrelas, isso sim. Não é que eu queira suas pernas entrelaçadas nas minhas de manhã, preguiçosas e lânguidas. Não, eu quero que elas se debatam por cima de mim e que morram no fim da madrugada. Não preciso das suas juras de amor; eu quero só a sua respiração rápida no meu ouvido... isso sim seriam sinos cantando na minha cabeça. Não fale do meu ombro delicado e dos meus olhos profundos. Não são nada disso; eu e minhas partes só conspiramos a um único objetivo.

Não me trate como uma menina babaca, eu sei o que você pensa durante o banho. A única coisa que você precisa aceitar é que eu gostaria de estar nele para te fazer feliz. Entre amaciar seus joelhos e massagear suas costas de sabão.

Percebe? Ainda não?

Deixe os jantares sofisticados para se empanturrar de hot dog prensado em meio a detritos da semana passada na van de madrugada até não sobrar uma célula saudável dentro dos nossos estômagos. Vamos beber vinho ruim e pinga com mel até nosso fígado gritar, estirado na sarjeta de alguma calçada, em frente a algum boteco sujo e mal freqüentado. Venha me visitar em lençóis sujos e mal lavados, com cheiro barato de colônia de almíscar, para encontrarmos algum segundo de beleza. Vem me acompanhar em passeios no centro, os cinemas proibidos, fumar o proibido, encontrar o diferente, se alegrar com o inusitado e a pouca vergonha. Eu não acredito no seu terno, no seu palm top, no seu celular e nas suas reuniões. É tudo desculpa para não querer passar essa noite imunda comigo.
Diga um uníssono eu te amo com hora para morrer e acabar. Eu não ligo, eu diria que te amo também, até o sol voltar a nascer no asfalto desses prédios sem outdoors, cheio de pichações e palavrões. Eu vou embora e te deixo em paz, afinal minha capacidade para amar dura pouco. Pode me prensar na porta do banheiro da balada, com cheiro de vômito e frases na porta de meninas que viraram prostitutas e homens que preferiram à segurança de um pau ao cabelo perfumado da garota do colégio. Vamos mutilar as convenções, retalhar o pudor, arregaçar a política e a educação e convidar o inferno dos minutos daqueles sem esperança para habitar nossos neurônios e hormônios.

Uma noite apenas, ao som do injusto, da podridão, do barulho alto e desafinado. Paremos de desejar controlar a morte iminente. Façamos morrer nossas almas juntas. Só assim deve valer a pena

terça-feira, 19 de junho de 2007

pra sempre

Jú Mancin

d °_° b money jungle (o álbum), duke ellington with charles mingus & max roach

é nessas horas de noites em claro que tua imagem se pinta aos meus olhos.
não, não muito definida [já faz tanto tempo]
me surge teu olhar como tela impressionista. não importa, eu sei que é você me observando de algum ponto.
me sinto criança outra vez, que com medo, buscava a barra da tua saia, meu acalanto rendado.
quem dera pudessemos trocar vidas. a tua valia tanto.
a minha...
é só uma tela impressionista, quem dera fosse real.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

meu amor

Lu Minami

Ouvindo: nada.


Você era tão pequenininha e indefesa quando chegou em casa. Lembro que na primeira noite, eu dormi com você na lavanderia, porque a mamãe não queria de forma alguma que eu te levasse para o meu quarto.

Acho que foi nessa noite que a gente percebeu que ia ficar sempre juntas. Nas suas ninhadas, quando eu mesma fiz os partos. Nas suas travessuras quando comia todos os sapatos de quem tinha birra ou destruia o lixo só pra chamar a atenção, eu que te escondia ou te dava bronca.

A bolinha no corredor, os passeios, a coleira que machucava, a pose de brava e atrevida quando achou que podia enfrentar dois pastores belgas sozinha. Ou quando olhava de baixo prá cima, com ar de coitada, só para a gente não te levar para tomar vacina. O vento que você gostava quando estava no carro e punha a cabeça para fora para as orelhas esvoaçarem.

Quantas noites eu não desci de madrugada para a gente conversar sobre o meu coração partido e você, sonolenta, colocava a cabeça no meu colo para eu acariciar.

Quantas vezes eu te procurei pela sala para te colocar para dormir e descobri você quietinha debaixo da lareira.

Quando você chorou uma vez só de dor e raspou a porta pedindo ajuda, meu coração se partiu e eu não pude suportar ver você não conseguir levantar mais para brincar ou pedir comida.

E então, eu deixei você dormir para correr para sempre com seu casaquinho vermelho, sem dor, sem remédios e sem mais nenhum sofrimento.

Babie JunKie

Jú Mancin

d °_° b Blue Train, John Coltrane

Linda, olhos cor de mel, corpo esculpido no barro, desenhado.
Na alma, o vazio dos fantasmas esquecidos ao relento das frias madrugadas do leste.
No bolso, aspirinas, anfetaminas e um maço de cigarros. Vazio. Roupas sujas e botas surradas.
Pés inquietos que vagam pelas faixas de pedestres esburacadas. Semáforos frenéticos turbilham sua mente. Luzes coloridas confundem sua ânsia.
Os olhos serenos escondem a tormenta que vai no coração.
Lembranças, desejos, saudades, frio, sede [muita sede]. E o silêncio aterrador de sua própria cela solitária e úmida.
Um corpo que se move na inércia por entre corpos que não se vêem, cada qual em sua clausura.
Chuva fina na face. Aperta o passo. Mais lembranças.
Vozes sussurram tristes canções ao pé d’ouvido.
Infância, sorrisos, inocência, abraços.
Lágrimas.
Pelas veias, tal e qual seringa houvesse injetado, corre uma dor surda.
Enlouquece.
Se vê, eufórica, no reflexo da vitrine de um box sujo da zona comercial. Vislumbra um espectro com olhar de mercúrio.
Há dez passos do beco, já não contém as próprias pernas. Corre...
Merda! No money... aceita-me, senhor, em troca das asas do dragão...tomai-me e comei-me, esse é o meu corpo que é dado por vós [sagrada papoula]...
Feito!
Dispara contra a própria vida, em busca do banco do parque escuro. O velho banco das tardes ensolaradas, da música nos fones de ouvido, do primeiro baseado, das páginas do diário amarelado, das ilusões perdidas, de todos os porres, dos amores eternos-passageiros-enterrados, da inocência deixada de lado, de sexo desmedido, do primeiro pico. Hoje, o decadente banco de suas iniciais. Estremece, sente o corpo vibrar. Enfim, a cavalgada! A melhor de todas. Efêmera e eterna. Antes do último vôo, encontra forças pro epitáfio.
R.I.P
NO HOPE!!!
B.J.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

..inferno..

Lu Minami

Ouvindo: Santa Maria
(Gotan Project)


"Vá para o inferno", ele disse alto com as mãos que tremiam apontando para um lugar distante, os olhos ardidos e a baba rasa que escorria sem perceber pelo cantinho da boca.

Tinha começado assim o sonho. E bem que ela queria que fosse verdade quando acordou e viu que ele ainda permanecia ali, ao seu lado. Para o inferno? Era possível enviá-la para lá novamente se já residia nele, com jardim e tranca na porta?

Vivia o inferno dos dias pela metade. Não sorria direito, tinha dificuldade em andar, mal respirava. O que ela queria era economizar aquele tempo para estar perto dele, juntava pequenos goles de ar que o rodeavam para haver partes de oxigênio compartilhadas, andava diminuta para observar melhor os passos dele e sorria só para ele; o resto para si mesma e ninguém via.

Ela observava o mar de cilios pretos que batiam asas em seus olhos cheios de falsas ternuras. Ela acreditava na mentira do brilho, amava, gozava, aceitava, entendia. E por saber de cor todas as pintinhas que formavam o firmamento das costas largas e das bochechas pouco pálidas, perdia a hora do sono lembrando de cada uma delas, por onde sua língua já havia pousado e dançado diversas vezes. Sentia o pescoço pulsar, o sangue corria rápido demais quando ele chegava perto dela. A ponta do nariz gelado, por debaixo dos seus cabelos que ela tanto escovou; as mãos ao redor da cintura de maneira indelicada e sem carinho, enquanto a fitava de um jeito obsceno. Ela derramava uma lágrima cada vez que ele fazia isso. Mas sorria quando ele caia por cima dela finalmente, sorria por poder aninhá-lo em seus braços e sentir que ele precisava e gostava disso.

Vivia o inferno da dor e da humilhação. O inferno de amar acelerada e desenfreadamente. O inferno de não poder pensar nem querer. De mergulhar sem guardar no peito o ar da volta. De saber que vai morrer, de garrafa e copos vazios; de camas e travesseiros gelados; de caminhadas sem mãos para acompanhá-la.
Tanta razão boa de morrer e fora escolher justamente essa, injusta.

Talvez fosse melhor viver feliz no inferno. Enquanto ele levantava e deixava o dinheiro em cima do criado-mudo, ela pensava em seus jardins e portas abertas.

Que seja no inferno então.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Deus me livre!

Lu Minami


Ouvindo: Último Desejo
(Noel Rosa)


Ela queria mesmo o calor. Cansou do inverno e das noites em que ela ficou quieta no canto de sua cama, quase com medo da imensidão daqueles lençóis e dos dedinhos finos e gelados que a deixavam embaraçada e cheia de repulsa de si mesma.

Glorinha queria casar quando menina, de véu e grinalda. Tinha lá seus sonhos bobocas da vida pasmando na sua frente e ela tonta, sorrindo. Cresceu e agora passava maquiagem, ajeitava o cabelo e botava saia um pouco acima do joelho. Andava de salto e de bolsa a tiracolo, quando estava em rua diferente, gostava de rebolar na rua e de arrancar as frases de sacanagem de gente que nunca ia ter nada com ela. Pedreiro, motorista de caminhão, motoboy. Claro que não, só dou para quem for bom demais pra mim.

E sentia um calorão subindo entre as canelas e que quase levantava seu vestido quando percebia os olhos em sua direção. Mordia o lábio e precisava tomar um litro d´água gelada. Ai, minha santinha, o que está acontecendo comigo?

E seu namorado, Antônio que era mais santo do que os próprios castos, a levava no cinema e ficava de mão dada. E nada de mão boba, nada de beijo na nuca, chupão no ouvido. No escuro, Glorinha piorava. Sentia o rosto ficar quente e as pernas bambeavam. Ela bem que tentou outro dia, deixou cair a bolsa e quando voltou para a cadeira, encostou o rosto perto do cavalo da calça do moço e ainda por cima deu um jeito de esbarrar os seios no cotovelo do rapaz. Que nada, o menino suou frio e tremeu, escondeu o meio das pernas com a mão, mas ficou parado, olhando para a porra da tela branca.

Na outra vez, Glorinha não titubeou. Foi sem soutien e sem calcinha, mas sempre mantendo a linha de moça comportada. Saia preta até o joelho, camisa fechada no pescoço e uma blusa para combinar e esconder a falta das roupas intimas. Sua amiga Irene que tinha ensinado. Vai lá, Glorinha, na hora vc sabe como fazer. Se o Toninho fica com a mão dele grudada na sua durante o filme, fica fácil de escorregar para baixo. E ria, a amiga Irene, ensinando tudo para a Glorinha, menina mais nova e cheia de viço.

Foi o que Glorinha fez. No comecinho do filme, Glorinha puxou a mão do rapaz para debaixo das saias.
E, gelado:
- Glorinha, o que você está fazendo, criatura?
- Deixa de ser bobo, Toninho, ta escuro.
- Mas, mas.
- Calaboca, homem. Faz direito esse negócio aí. Mexe direito. Olha... bota tua outra mão aqui.
- .... glo..ri....
- shhhhh. Silencio, vai que alguém percebe?
- Chega!
Levantou, vermelho de irritação.
- Você enlouqueceu? Virou puta, foi?
- Você que não ta querendo ser homem, Antônio. – enquanto cruzava as pernas, pegava uma lixinha e olhava para as unhas branquinhas de leite.
- .... Vo-vo-você ta merecendo um tapa isso sim. – grita, gagueja e cospe o pobre Antônio.
Glorinha deu uma risadinha, levantou-se e foi embora.

Irene disse, entre gargalhadas, para Antônio que já estava de casamento marcado com uma beata chamada Clara:

- Ah Toninho... sua Glorinha é a rainha da classe proletária, meu filho. Você, filho de banqueiro, não deu conta do recado. Ela foi se ver com homem que pudesse segurar aquelas pernas e toda aquela carne.

O coitado e impotente do Antonio que nunca esqueceu Glorinha. A única que tinha conseguido fazer aquilo com ele no cinema.

E a pobre beata só dizia... Deus me livre!

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