sábado, 28 de março de 2009

Um pouquinho de mim

Lu Minami

Ouvindo: Paranoid Android
(Radiohead)


Estou lendo um livro de Benedetti, chama-se Primavera num Espelho Partido. Fala sobre a ditadura uruguaia e especificamente sobre uma família que tem seu filho exilado. O exílio forçado para longe de casa, o exílio em si mesmo, vivendo de lembranças, com a cautela de não submeter seus dias à elas. O filho, marido e pai então organiza suas memórias de um jeito que não o deixe insano de saudades. Saudades essas do cheiro das ruas de sua cidade, de sua mulher, de ver a filha crescer sem o pai, da barba mal feita do Velho, seu pai. No meio de suas cartas, Benedetti escreve outras cartas como outros personagens, inclusive como ele mesmo e escreve como criança, como mulher, como Velho, como amigo boemio, como outros exilados. 


Gosto do jeito como ele escreve sendo Beatriz, a filha de 5 anos. E então me lembrei das redações que fazia na escola, valendo nota, sobre temas específicos e sobre temas aleatórios, como volta às aulas ou algo do tipo. 


Percebo que parei de escrever sobre a minha vida mundana e escrevo apenas sobre meus passos inventados, minhas conversas e esperas imaginárias e nada sobre o mundo real onde vivo. 


Sentada no café da livraria perto de casa, percebo olhares sobre mim, que me julgam, da maneira mais amistosa possível, penso eu, mas completamente errôneas. Sinto então uma necessidade crua e fisiológica de contar quem sou eu hoje, nesse espaço de meias horas. Como Beatriz escreveria. Como Benedetti me leria. 




"Dizem que solidão é viver sozinho. Não é como andar na rua, sem ninguém senão seu guarda-chuva. É não ter companhia, mesmo estando cercado de pessoas que a gente pode gostar ou não. Isso é uma coisa que demorei para entender. E acabei me acostumando a fingir que não estou sozinha quando na verdade, pessoas ficam perto de mim e conversam comigo sobre suas vidas. 


É engraçado isso. Quer dizer, como eu ficaria sozinha se alguém conversa comigo e diz meu nome, rela no meu ombro ou anda ao meu lado na calçada? 


Mas aqui dentro parece um grande deserto, cheio de livros e de música e então não me sinto mais sozinha. 


Pensei na minha Tia Mie. Ela não lê e não vê TV. Também não faz tricô e nem tem amigos. Mas ela cozinha um bolinho de arroz que eu gosto muito. Mas nem sempre tenho vontade de comer esse bolinho. Então quase nunca a vejo. Mas acho ela sozinha. E não fico triste por ela. Afinal, ela poderia ler, não? Ou então fazer passeios para ver o mundo e como ele funciona. 


Então não há razão para me ficar triste por ela. Acho pior assim, quando se está sozinho e ninguém vê essa solidão porque tem um monte de gente ao redor sempre e se tem compromissos todos os dias. 


Essa solidão deve ser mais triste. E quase irreparável. Irreparável parece uma palavra trágica e é. Afinal de contas, que triste querer consertar, reparar algo e não conseguir. Por exemplo, se você tem um relógio que não funciona e o relojoeiro diz que não tem como fazer o reparo. Bem, você o joga fora, não? 


Existe coisa mais triste que um relógio sem serventia, que não corre os minutos e não gira seus ponteiros?


É como alguém sozinho que não funciona mais, que não gira sua vida e esquece de fazer correr o seu tempo."


segunda-feira, 23 de março de 2009

.in rainbows.

ju mancin

thom-yorke-uol-425 foto da UOL

d °_* b paranoid android, RA D IOHEA_D [come on raaaain down on me]

há tempos um show não ganhava um post por essas bandas.

porque há tempos um show não valia uma linha em nosso precioso território virtual. e há tempos eu não sentia a sensação de que NAO poderia ter acabado. ou, a necessidade de fazer mais barulho, pra que alguém voltasse ao palco e desse, nem que fosse, por mais dois ou três, ou cinco minutinhos no máximo, o ar da sua graça.

foi isso. um show de luzes e cores no cerne do arco-íris… um palco que há tanto eu esperava ver de perto, bem de perto. o desespero e a dor, do grito mais afinado que eu já ouvi assim, tão ao vivo e tão em cores. um coral, com trinta mil corações que fez de paranoid android um hino dessa nova geração da música, tão pouco representada por algo que mereça mais do que alguns minutos de atenção se comparado ao que foi feito nos cinquenta, sessenta e setenta. foi tudo o que todo ser humano que, como nós aqui do café e cigarros na terra do nunca, ama música, esperava que fosse, com algum requinte a mais.

e se a rolling stones estiver certa e o futuro pertencer realmente à thom yorke e ao radiohead, graças a deus estamos à salvo!

PS – o nome do álbum mais recente, não poderia ser outro. hoje eu acordei aqui, bem no meio desse tal arco-íris…

THANK YOU, THOM!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Condominio [existencial]

Lu Minami

Ouvindo: Balada do Asfalto

(Zeca Baleiro)


No meio da cidade. No centro de tudo, síndica de mim mesma, uma confusão dos diabos.

 

O amor e seu otimismo irritantes querendo aparecer, o ódio e sua insistência chata querendo se esconder no alto do 9o andar. O garoto inteligente que continua a ler seu livro só para ter o que contestar, ter o que não acreditar.

 

Um sobe e desce pelas escadas de emergência, incêndio, dilúvio, acabou a luz.

 

De esperança, resta pouco-quase-nada nas residências. A vizinha do 4o andar, louca de desejo por um beijo que signifique algo, mira suas paredes vazias. O outro rapaz, do 8o andar querendo solidão, um pouco calada, disfarçada de amargor, esboça alguns desenhos na parede coberta de limo. A menina com rabo de cavalo ruivo do 7o andar, olha para seus brinquedos e pensa numa solução para não brincar mais sozinha, sonha em dividir seus brinquedos e livros de figuras. Lembra-se então, com um sorriso banguela, de seus amigos imaginários que moram em seu armário embutido.

 

No térreo, pé no chão e um pouco de desordem. Uns querendo morar no subsolo esperam as escadas liberarem para descerem de mala e cuia para o buraco da garagem, seus buracos. Outros resolvem que preferem morar no terraço que fica no topo do prédio e que funciona como heliporto, esperando a salvação de alguma corda, de algum vento, arrancando as redinhas de proteção para sentir o perigo soprar-lhes no ouvido.

 

E assim, no meio da baderna, o moço bonito e perfumado que ninguém ousa chegar perto e que mora no 13o andar chora calado no elevador enguiçado e escuro, pensando em sua mãe, enquanto a morena sexy do 20o andar pensa numa maneira de atingir o poço do elevador. Calada e decidida. 

 

O zelador não se preocupa. Há tanto para limpar, sujeiras esperando serem recolhidas, janelas que precisam ser lavadas, piscinas que precisam trocar sua água, enquanto o café pinga paciente na cafeteira branca. Para ele, só lhe resta de útil a vassoura para varrer longe tudo que não serve mais.

 

As esperas todas jogadas pela janela fazem uma bonita chuva de papel picado e acinzentado. A velha mulher do 5o andar liberta seus canários pela janela e, com medo do fim do mundo ter chegado, olha com carinho para o retrato do seu falecido filho e se arremessa lá de cima junto com as asinhas amarelas. Cai macio na grama, sem barulho, sem dor. Enquanto isso, a moça triste do 4o andar ainda olha as paredes sem prestar atenção no que acontece em suas janelas.

 

As crianças brincam no playground, não notam a velha caída e continuam com suas brincadeiras antigas. Sentem falta das suas mães, mas a brincadeira é melhor e sabem elas que suas mãezinhas as esperam no salão de festas, ocupadas com a vida umas das outras.

 

De repente, alguém se lembra.

 

Cacete, e a síndica?

 

Zelosa com seus moradores, respira aliviada, recostada na rede branca de sua varanda.

 

Finalmente, tudo voltou ao normal nesse edifício.

 

 

 

Me dê um beijo, meu amor

Só eu vejo o mundo com meus olhos

Me dê um beijo, meu amor

Hoje eu tenho cem anos, hoje eu tenho cem anos

 

E meu coração bate como um pandeiro num samba dobrado

Vou pisando asfalto entre os automóveis

Mesmo o mais sozinho nunca fica só

Sempre haverá um idiota ao redor

 

[Não é que eu ache que o mundo tenha salvação. A alma é o segredo do negócio]

 

sábado, 14 de março de 2009

.PS: Eu te amo.

ju mancin

d °_° b lost cause, beck

essa seria mais uma daquelas velhas desculpas pra apaziguar aquela mesma velha necessidade que sinto, de falar com você, de saber de você. eu poderia começar, com o bom e velho rock n´ roll, [minha espada é a guitarra na mão]. poderia começar dizendo "olha! escuta o beck. você vai gostar!" ou então "morphine é morfina pra alma!".

poderia ser um bilhetinho, te agradecendo por sweet jane.

poderia apelar pros astros. júpiter em conjunção com o sol me disseram pra te procurar, pra desejar boa noite! ou pro jung, dizendo que em meus sonhos, aquele copo de gim que me mata a sede enquanto me transporto frenéticamente da sala de casa pra um velho pub irlandês e uma caverna na áfrica, nada mais é, que a vontade que eu sinto de dizer "Hello!" [ou ouvir "Goodbye!"].

e assim, como quem não quer nada, eu poderia aos poucos, desenrolar outro assunto, e mais outro e outro...até que chegasse no que passou [que nunca passou]. e falaria de mim, de você e falaria da gente. da gente [sem fim].

te ligaria, se assim pudesse parecer casual. rs. arriscaria o velho truque do “desculpa! foi engano…” apenas para escutar sua voz, que há tanto tempo me desalinha. juro que ligaria! se não fosse parecer tão bobo de minha parte. não que eu não seja boba, mas diante de ti, não gosto de parecer, você já tem artemanhas demais pra me desarmar, já me vê transparente ou no escuro e de longe, já me vê crua [e nua].

um e-mail. sms. sinal de fumaça. sinalizador colorido. qualquer truque barato, desde que fosse para saber, que por alguns segundos, você parou por mim.

há tanto tempo que eu não pensava em ti, que de repente, tudo me parece encantadoramente novo, exceto pelo fato de você manter seus velhos hábitos. o tênis imundo. a barba na cara. o sorriso nos olhos. a fala mansa e a irritante rotina de me consumir devagar, de me  provocar como que por acidente e de aumentar o volume da vitrola no auge da acalorada discussão e abafar minha voz. há tanto tempo, que já não me lembrava mais dos meus velhos hábitos. dos meus tênis sujos. a bicicleta com fitilhos coloridos. minha velha mania de roubar seu último gole de conhaque ou de citar rimbaud pra te convencer que ele era fã de baudelaire. nossa velha rinha no futebol. meus discos e livros. teus filmes…

eu poderia tentar de várias formas, mas já sei que fosse o que fosse, viraria fumaça antes que você recebesse, então veja bem, paremos por aqui e ficamos combinados, se eu não te ligar, você não me telefona!, mas mesmo que eu não te escreva, por deus, de alguma forma, me dê notícias de você.

segunda-feira, 9 de março de 2009

.reencontro.

ju mancin

d °_° b sweet jane, cowboy junkies

então é assim quando se [re]encontra o amor?

esse silêncio, o ar em suspenso…

um cálice cheio de nada, a espera do veneno da serpente…

essa aí refletida nos teus olhos sou eu

e isso aqui estampando em mim é o amor

cheio de fúria.

um mar revolto em saudade

uma tela em vermelho

uma escultura que sangra

um punhal na garganta

um silêncio que canta

um pavor que me encanta

o ar em suspenso

o peito que queima

a boca que seca

uma flor que se abre

ah o amor, o amor, o amor

esse barco à deriva…

terça-feira, 3 de março de 2009

Delicias e Malicias

Lu Minami


Ouvindo: Dear Catastrophe Waitress
(Belle and Sebastian)



Estive procurando essa palavra por algum tempo.

Uma coisa colorida, que fosse agitada, incontrolável, feliz e escapando pelos poros. Uma coisa excitada, que sai explodindo de dentro de mim. Cheirosa, cheia de balanço. Aquele balanço de dança, no sol, na areia, quase ciranda na minha praia, quase neón na pista alucinada da minha cidade.

Pula dentro de mim, espécies de sapatilhas flutuantes [cintilantes] [e esvoançantes], loucas para abrir o peito e berrar um riso grande, sacolejante, só meu. Serpentinas e confetes que caem do céu, desatinados e sem dor nenhuma, para saudar quem escolhe ser feliz, nem que seja por um milissegundo de euforia. Gente que fica bonita bronzeada e com o sorriso estampado. Nada de frio, nem inverno, nem chuva com céu cinza. [tão comum]

Hoje é só brisa e grama. Sem drama. Com gana de correr por aí, sem se perder. E se perder, encontrar-se nuns braços quaisquer que sejam tão acalentados como o bafo da manhã, sem esperanças de uma ventania. Só tempestade.

Achei a palavra.

É frenesi.

Coisa de melancia, jeito de verão, mini-saia e sorvete pingando. Língua gelada o tempo todo, asfalto queimando batatas [da perna]. Cabelo preso, suor na pontinha do nariz, joelhos que antes tão tímidos aparecem por aí, inteirinhos, no auge de sua pequena volúpia.

Um troço qualquer de gente sorridente que saltita sem ter porquê, obedecendo o ritmo escaldante de uma tarde nada fresca como essa.

O verão é cheio de delícias.
Mas as palavras, ah... como são otimistas.

Site Meter