sexta-feira, 30 de novembro de 2007

eu te amo, porra!

Jú Mancin

d °_° b Amor barato, Chico Buarque

...e tudo o que ela não queria era dizer adeus.
E tudo o que ele não queria era dizer adeus...
E por assim foram, sem se despedir, sem olhar pra trás.
Ele não diria tchau àqueles olhos.
Ela não deixaria pra trás aquela boca. Aquele beijo.
Ponto.
Aquele beijo seria o fim, mas não, eles não saberiam disso. Não naquela hora.
Cortinas pretas e luzes vermelhas. Esse seria o cenário da doce lembrança de cada um dos dois.
Era chegado o fim da linha, mas eles ainda não conheciam tal segredo.
Pudera eu parar o tempo. Congelar sua mão na minha mão e sua voz. Suas doces palavras que se perderiam com o vento...e seu beijo. Aquele beijo.
Não, não haveria despedidas. Seria corpo e alma entregue à loucura e silêncio e morte [vida]. Seria saudade. E só saudade.
Seria um breve espaço rasgando o tempo deixando marcas tingindo de lindo o que só era sombra. Deixando amor & amor & amor.
Sim. Aquilo era a morte que os alcançava. Era a flecha sagrada da vida tomando-lhes à força de seus sonhos. Entornado-os ao chão. Vomitando-lhes o fim de cada sopro de mágica.
Sim, aquilo era o fim, que cada um dos dois se negava a encarar. Aquilo era o nada das noites sem lua. Sim. Era o fim, porém...

...e sempre há um porém...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Empréstimo de poesia

Lu Minami

Ouvindo: gotas incessantes na minha cabeça.


... porque muitas vezes, eu tenho que emprestar as palavras dos outros, porque a inspiração falha, a respiração não funciona, a falação caduca...


- - - - -


Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista?

Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.



Hilda Hilst
("Tô Só" - Correio Popular de Campinas)



quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Alice e a chuva

Lu Minami

Ouvindo: As vitrines
(Chico Buarque)


Seu cabelo tinha cheiro de terra molhada. O vestido, cada verão mais curto. No rosto limpo, maltratado de sol, sustentava o par de olhos negros que trazia como única lembrança o campo desolado, a terra laranja, o dia amarelo, as árvores marrons. Não lembrava de ter visto tanta chuva cair assim do céu, devagar primeiro e depois pesada, tão pesada que teve medo de doer a pele nua quando as gotas batessem no corpo.
Olhava o vidro atentamente, colocou cada dedo seu sobre uma gota que batia na janela do ônibus e sentiu saudade de casa. Sentiu saudade do chão seco e quente, das frutas maduras antes de cair, das flores murchas de calor.

Pensou se sabia o que fazia, se fazia o que estava pensando desde lá em cima, desde casa. A idéia que nasceu numa noite depois de ter visto a cidade pela primeira vez, pela televisão e o rosto que há muitos anos não via, coberto pela blusa. Ele bem que tentou, mas não pôde se esconder de mim, pensou iludida e doce. Os homens de cinza, cor de céu antes da chuva, tinham-no jogado na parte de trás de um carro e ela sabia, tinha certeza que era ele. Era sim, seu coração franzino avisou que era. Fugira de casa, com uma sacolinha de pano que a mãe usava para trazer mandioca, que trazia uma foto e uns poucos bijus. O dinheiro, tinha guardado desde o 12 anos. Não era muito, pois fazia pouco que decidira guardar para comprar um novo vestido. Entrou no ônibus decidida, sem dormir, sem comer, só pensando no momento em que seus pés pisassem o chão da cidade e sua busca começasse.

Andou por igrejas destruídas, calçadas perfuradas e ouviu perguntas que não entendia. Parecia ter ficado surda ou que havia chegado em outro país. As pessoas corriam, subiam e desciam de ônibus que não paravam de chegar, formando uma serpente esquisita, cheia de janelas e pessoas. A cobra com fome, que devora toda a gente. Parou frente a uma caixa de metal que cabia umas 4 pessoas dentro. Olhou e viu foto, palavra que não sabia ler, livro que nunca ia passar a mão na capa e cheirar a folha nova. Jornal, revista, doce, chiclete, cigarro, mulher nua e homem nu em algumas. Corou de vergonha. Mas se encheu de coragem e olhou cada foto, cada jornal, cada capa de revista, procurando pelo homem dela que tinha visto na TV.

Continuou andando porque uma hora a cidade acaba, pensou ela, e eu encontro um lugarzinho para descansar, posso até fazer biju para me sustentar. E a cidade continuou perseguindo sua visitante, mostrando ruas iguais, mas diferentes. Esquinas cada vez mais distantes, homens que lhe faziam perguntas esquisitas, que ela não entendia, mas sabia serem indecorosas. Sentiu fome e sede, mas ninguém quis seus bijus em troca de comida e água. Seu vestido se tornara cada dia mais triste e gelado. As pernas sujas e os braços melados de suor, lágrimas e poças.

Até o dia em que encontrou.
Encontrou alguém que a aceitou. Em troca de comida, água e um chão para dormir, ela preparou seus bijus e ofereceu seu corpo à violência. Todos os dias, hora após hora, em esquinas iguais, mas diferentes. Depois de chuva e de sol e o vestido novo, que era curto sem tantos verões, que a deixava com frio, sem sorriso e com vontade de beber algo que a fizesse esquecer da saudade de sua terra, do marido e das primeiras esquinas.


(...)
Nos teus olhos também posso ver

As vitrines te vendo passar
Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

13:13 do dia 13

Jú Mancin

d °_° b Gato Preto, Cascavelletes

É primavera!
O circo ta na cidade
Tem palhaço e alegria
Tem choro calado, dissimulado
Por trás de tinta e de fantasia

Acorda menina, vem ver a lua.
Olha o arlequim sorrindo pra mim
Tomando vermute com amendoim

Tem samba no morro.
Socorro!
Não estou sentindo nada...
Só carta marcada num jogo
De bola quadrada!

Homem bala e mulher canhão
A cuspideira soprando fogo
O trapezista voando alto
Lona vermelha, leão, elefante!
Enfim é primavera,
O circo ta na cidade
E eu não estou sentindo nada!

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