Jú Mancin
Ouvindo Smells Like teen Spirit, Nirvana.
Ontem assisti a um clássico da minha época, SINGLES Vida de Solteiro, e o filme me levou a uma viagem no tempo, por alguns segundos tive a sensação de ter novamente quinze anos, vi o Lane Staley numa performance no palco, algo comum naquele tempo, bastava ligar a TV no canal 32 para assistir a uma entrevista de algum grunge suspreso com tanto sucesso.
E aproveitando o surto de nostalgia, assisti a um vídeo com entrevistas.
“Estou tentando montar um show que combine com a música. Que o show seja cheio de vida, um festival...uma festa. Quero que as pessoas celebrem, quero enchê-las de alegria. Porque tudo o mais é uma porcaria no mundo, durante o curso do dia. Quero que quando estiverem lá dentro, não importa como sejam, clubber ou roqueiros, quero que se libertem, quero que aproveitem. E digam: Foda-se!”
Farrel idealizando, com lágrimas nos olhos, o maior de todos os festivais de música.
Lollapalooza!
“Para quem não sabe somos os Red Hot Chili Peppers. Estamos no topo de Hollywood, na torre da Capitol. Nunca ouviu falar de nós? Tudo bem. Nós tocamos hardcore, rock psicodélico sexy do Paraíso. Nós perpetuamos o funk. Queremos penetrar fundo em vocês. Prestem atenção no que digo.”
Anthony Kieds apresentando sua banda.
A propósito prestei atenção Anthony, e vocês, de fato, penetraram fundo.
“Sou Dave e toco bateria. Sou Kurt, toco guitarra e canto. Sou Krist e toco baixo.”
Os três elementos se apresentando. Antes do mundo aclamá-los como a maior revolução na história do rock, desde os Beatles. Isso quem afirma é a crítica.
“...descobrimos o pessoal do campo, com suas camisas de flanela...”
Grunges???
“Não trabalhamos há dois anos. E encorajo todos a não trabalhar. Deixe disso. Só vai viver 70 anos se tiver sorte. E contribuímos para uma sociedade materialista. Então deixe disso. DIVIRTA-SE. Fume maconha. Beba cerveja, beba. Tome todas. Engravide todo mundo. Não fique grávida. Não reproduza.”
Krist Novoselic e Dave Grohl divagando sobre o mundo moderno.
Foi um revival e tanto. Vi minha vida passando diante dos meus olhos. Meus discos, meus livros, meus pôsteres. Minha parede era forrada. Eu dormia e acordava com meus ídolos.
Na época não conhecia Goethe, e o sofrimento do jovem Werther passava despercebido por mim, Crime e Castigo eram palavras associadas mas não de maneira profunda, eu sabia que uma coisa levava a outra, mas não tão intensamente como para Dostoyevski. Acreditava em Deus, e acharia Sartre um herege se me dissesse que Deus está morto, e achava que eu tinha salvação. Doce ilusão a minha. Éramos todos crianças, o mal não nos afetava. Não poderia imaginar o Kurt com uma bala na cabeça, aos vinte e seis anos, nem o Lane sendo encontrado morto já em estado de putrefação.
Não sabia o quanto doeria olhar para trás.
Tudo era tão perfeito que a dor não fazia sentido para mim. Qualquer analgésico curava minha dor de cabeça, que ainda não era enxaqueca causada pelo excesso de café e cigarros, e noites mal dormidas.
O maior problema que tinha a resolver era a maldita equação de segundo grau, que a professora Nilde passava na lousa, e nos chamava para resolver, e valendo nota para a prova bimestral. Pense! Acertando o problema ali, você estava dispensado do exercício na prova. Eram dois pontos garantidos, para a fia da puta que viria no fim do bimestre.
Por que a sábia anciã nunca me disse que aquilo era nada, diante do que eu viria a enfrentar aos vinte e “poucos” anos?
Era simples ficar bem. Um almoço em família, isso incluía minha mãe. Uma viagem à praia, e a praia em questão era o Guarujá, em seus áureos tempos. As férias na pequena e pacata Jurupema, e essa continua intocada, o que complicou foi a distância. Antes a quantidade de pedágios servia como forma de contar a distância, agora só me faz lembrar o quanto sai caro viajar para lá uma vez por mês. Tudo era fácil. Para ouvir músicas boas bastava ligar o rádio ou a TV, estavam lá, todos os grunges com suas camisas xadrez flaneladas. Esgoelando suas mensagens. Esmirilhando suas guitarras em riffs inesquecíveis. De Seattle para o mundo, e para mim. E para sempre!
E hoje, o que me resta é o futuro. O vazio de algo em que não acredito. Se eu pudesse voltar no tempo, me congelaria diante da TV ligada, antes de entrar no busão escolar, com meus pensamentos em tudo, menos na aula, olhando para a cara do Kurt, no clipe de Smells Like Teen Spirit. Em minhas narinas ficaria gravado o cheiro da juventude e toda sua força. Na mente, todos os meus sonhos engavetados. Toda a minha esperança em algo bom e verdadeiro.
“MY LIFE IS FALLING TO PIECES. SOMEBODY PUT ME TOGETHER” Já dizia Mike Patton.