segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A rosa

Lu Minami


Ouvindo: Cry me a river

(Ella Fitzgerald)


Ela calçou a sandalia baixa e aberta. Surpreendentemente, a manhã aquecia benevolente sua janela e suas jardineiras de violetas quase mortas.

E o caminho que ela fazia de cabeça baixa, onde já aprendera todos os buracos, desníveis e poças de água que formavam nas vielas do seu bairro, resolveu faze-lo de cabeça erguida, de modo a olhar o mundo um pouco que fosse.

E viu os mesmos cachorros e as flores que continuavam crescendo pelos jardins. Viu as palavras que se aglomeravam pelos muros e que subiam pela janela, para serem vistas e compreendidas. E viu os portões rangendo, as vassouras riscando o chão, as bolas quicando pela rua. Os porteiros que acenavam.

Olhou para si e viu outra. Essa outra que de tempos em tempos permitia que respirassem dentro dela, a abraçassem um pouco, por pouco tempo. A outra que sorria com os olhos e deixava que a olhassem um pouco mais para ouvir aquilo que antes parecia mentira, desaforo, desacato.

Esqueceu.

Já não o amava mais há muito tempo. E isso doía de um jeito estranho. Deixava ela esquisita, cheia de alguma coisa que não parecia mais ela. Meio vazia. Mas lotada de algo novo que ela não entendia. Quase sentiu de novo aquela nesga de coisa escondida. Procurou um friozinho na barriga, um pouco do calor que sentia quando estava na frente daqueles olhos enormes, o tremor leve nos joelhos e no canto da boca. Ficou lá, parada em frente à roseira do jardim da velha senhora, pensando, buscando, procurando, vasculhando dentro de si alguma coisa dele. Procurando dor.

Ela já não parecia mais com aquela menina que todo mundo conhecia ou simplesmente fechou algumas janelas imaginárias que nunca existiram para dar lugar à portas, novas vidraças, jardins e soleiras?

E procurando dentro de si aqueles espinhos todos que gostaria que lhe fossem espetados de novo, uma mão entregou a ela uma rosa. Branca, cheia de pétalas grandes e gordas. Sem espinho e com um sorriso.

Agradeceu à velha senhora e continuou caminhando, arrastando seus pés e olhando para os lados.

Finalmente.

4 comentários:

ju mancin disse...

eu queria meu espinho de volta! #mimimi

L disse...

No calmo das seis horas da manhã, se tornou mais rala ainda quem cegou num dia claro com toda sua solidão, quase areia, sem sombra, a mentira de que tudo na vida é natural, eu sei, e o que existe, se, é com precisão absoluta, miseráveis mentes que tentam entender o oceano, quando não sei onde guardei um papel importante, e não me sinto bem.

Desafinado disse...

arrasa o meu projeto de vida...

Raíssa B. disse...

seus textos sempre me encantam, e tanto e como. acho que em todos nós há sempre um certo medo de deixar pra trás, esquecer, são as migalhas de esperança.

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