sexta-feira, 10 de março de 2006

Um aroma

Lu Minami

Ouvindo: Doze anos, Chico Buarque

Hoje de manhã, senti um cheiro diferente. Eu não sei, mas deu uma vontade imensa de chorar muito, estrebuchar até cair no chão. Mas não foi tristeza. É que era um cheiro muito grande que me lembrou coisas que eu achei que já tivesse esquecido. E a razão do choro foi esse. Como esquecer disso tudo?

O pão de manhã e o café com leite cheirosos. A janela que tinha o vidro todo ondulado e que deixava entrar a luz amarela e fazia prismas pela cozinha que eu e meu irmão tentávamos pisar. A minha cachorra enorme e que não sabia brincar ou a gente que tinha medo demais dela. A minha mãe pintando quadros. A gente embaixo de um endredon na sala com os meus pais, vendo filme e fingindo que estava super acordado, porque não queríamos dormir tão cedo. O pé de romã que eu plantei no quintal e que deu um monte de fruta. Eu me pendurando nas portas de casa, subindo com as mãos e pernas, como se fosse uma aranha. A empregada que brigava com a gente, mas que imitava o Zacarias do Trapalhões como ninguém. O caminho para a escola. O primeiro soco que meu irmão me deu porque eu batia demais nele. O bar da Sônia e os doces (e os bêbados) que tinham lá. Gelinho que vendia na vizinha da frente. A caixa d´água da casa ficava numa laje, que parecia um terraço do meu quarto e eu escapava para lá às vezes, para sentar no chão e olhar a rua deserta. O aquário de peixes dourados que morriam toda a semana e meu pai os repunha toda semana para não deixar a gente perceber a morte. O Fabinho, quando chegou da maternidade numa manta branca. O jardim, onde a gente tomava sol que depois foi cimentado. O telhado da vizinha que a gente subia para pegar as bolinhas. A minha escrivaninha que virava casa para a Barbie. Cada estante era um cômodo. O cigarro que eu roubei da empregada para ver como era e quase morri dentro do banheiro dela. Os saquinhos com água e purpurina que eu usava para brincar de fada. O cotidiano de brincadeiras. Uma rotina de tardes inteiras para brincar depois da lição de casa. Meu pai, que levava a gente dormindo no colo para dentro de casa, depois de uma festa na casa dos primos. Aqueles malditos baús de cama onde eu me enfiava para brincar de esconde-esconde e quase morria asfixiada. O carpete verde. O toca-discos. A Tatiana, minha boneca com os dedos todos comidos (por mim) e que a empregada nova jogou fora porque achou que a boneca era velha e suja demais. Os livros que eu lia encostada na parede do quintal enquanto comia uma maçã.

O cheiro que eu senti hoje de manhã foi de Xangri-lá.

3 comentários:

Guilherme Montana disse...

"...porque também somos o que perdemos". Essas lembranças somos nós, de certa forma.

Anônimo disse...

Lindo,lindo, lindo...Luuuuu!!!
Vc me fez chorar...e me ajudou a lembrar da minha infância também...bons tempos, boas lembranças!!!
Aiaiaiaiaiaiiiiii...
Deixo um suspiro de saudade...
Beijão

Anônimo disse...

Também tenho saudades...
Lu você escreve maravilhosamente....
(E não vá dizer que não lembra de mim...)

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