sexta-feira, 15 de abril de 2011

.carta.aberta.a.quem.possa.interessar.

ju mancin

d °_° b Dirt [o álbum], Alice in Chains

Há dias [ou noites] não durmo. Meses talvez… Não me lembro mais. Uma daquelas noites de sono, em que se deita com sono, dorme e acorda, sete ou oito horas depois, revigorada, crendo na vida, no amor, na sorte e em todas essas baboseiras a que nos apegamos pra diluir a dor de viver num mundo real.

Não. Nem de longe a insônia embalada pelo gin. Não mais madrugas ébrias e dançantes. Não mais o vento na face, soprando a liberdade de uma vida sem princípios, nem sorrisos perdidos no escuro. Noites vazias, quietas, quase frias. Absolutamente solitárias.

Duzentos e cinquenta reais no psiquiatra e voilá, temos um novo vício. Anfetamina pra acordar. Prozac pra apagar. E não apaga. Alzheimer cai bem para a memória, creio eu. Feliz do infeliz, que em um piscar de olhos já esqueceu a ofensa de ser quem é. Pudera eu, apagar da memória a visão infernal do olhar inquisidor e do dedo em riste, acusando minha fraqueza de irresponsabilidade.

Não mais confissões etílicas aos atentos amigos na mesa do bar. Do fundo de meu bueiro, quatrocentos e oitenta reais ao analista. [pra nunca mais saber quem eu sou].

Esquecer de onde venho e afogar quem eu sou, porque quem eu sou não cai bem, não se enquadra no mundo real. Quem eu sou não sufoca paixões, não se rende ao falho sistema de uma “vida normal”. Quem eu sou não se cala diante de um grito, ao contrário, fala alto, não tem classe. E não obedece ordens.

Caros inquisidores, vocês não sabem, mas essa que eu sou já morreu. Jaz neste corpo, uma alma. Neste baú de sonhos, que se fecha aos 30 e se abre aos 90 anos [sou otimista], em agonia profunda, para um último lamento, “A vida passou e eu não vi”, guarda-se o segredo da eterna juventude.

Afinal, quem precisa ser jovem no mundo real? O trabalho endurece o homem, felicidade se compra e amor, bem, amor é hollywood. O resto é dor de barriga. Pra que viver de sonhos? Não seja tola. ACORDA, Alice! Renda-se! Não chegará a lugar nenhum. Mas meu lugar é aqui. NÃO! Seu lugar é ali ou… ali, não! Ali. Seu lugar é qualquer lugar que não seja esse aí, onde você está em paz, tranquila, sorrindo pro vira-lata que atravessa a rua na faixa de pedestres, para divertir os humanos. Humanos são tolos, procuram razão em cachorros, no cosmos, nas artes. Humanos procuram razões para a vida. Qualquer coisa que justifique essa bosta-rotina, que os faz levantar da cama, automaticamente com sono, caminhar até o banheiro e escovar os dentes, se olhando no espelho, reconhecendo olheiras e rugas. Qualquer coisa que justifique o vazio de viver solitariamente em um mundo com sete bilhões de habitantes.

Alma não tem cor, já diria um poeta banhando em clichês modernos. Alma dói. Alma sangra. Alma chora e chora em silêncio, porque alma é produto de uma natureza romântica, que assim como eu, também não se enquadra a este mundo real. Alma incendeia, explode e morre. E daí por diante, nos tornamos humanos, tolos e cheios de nada. Pequenas porções caminhantes de vazio. Nos tornamos ausências. Ou saudades praqueles poucos [e bons] humanóides, que à revelia do mundo, ainda dão voz ao sentimento, aqueles aos quais ainda cabe o título “amigo”.

Essa que eu sou, repousa em discreta cova, sob folhas secas de um outono luminoso. Morreu de tédio em um mundo condicionado à retidão incontestável de uma vida virtuosa e sem malícia. Boddah*, meu velho amigo, dorme tranquilo acima das nuvens, naquele cantinho reservado aos leais amigos imaginários, de lá não desce tão cedo. Apago aos poucos, que queimar de uma vez é coisa de rockstar e eu não nasci pra Joana D’arc.

Perdi.

*se você não sabem quem é o Boddah, lamento.

14 comentários:

Beto Renzo disse...

Tchuca, não sei... acho que a Alma busca sim justificativas para a rotina. A questão é que quando depara com as justificativas dentro da norma para a vida que hoje chamamos de real e séria, ela (a Alma) se sente perdida, visto que nada dessas coisas bobas fazem parte de sua essência. A alma é romântica, ela não se protege em verdades calculadas, ela "entrega o ouro", ela berra, chora, teima e... puta que pariu, acredita que um dia aquilo que machuca ainda será o maior carinho que virá. Acho que separamos isso, esse jeito "moderno" de viver separou isso... ser humano e ter alma... são coisas unidas... e acho que tá faltando gente "Gente" no mundo. Bom... você me conhece e sou sistematicamente rotulado como chato... mas é o que penso hoje.

ju mancin [capacho] disse...

gente e doçura, Beto.
difícil é ser doce no mundo amargo.
muito difícil.

Carol disse...

Difícil...!
É por essas e outras que eu bebo!

Guilherme Prado Souza disse...

Sempre aparece aquele "clichê moderno" pra dizer: Acho que estamos no mesmo barco!!! Como se isso servisse pra alguma coisa... Ainda estou pensando se pretendo ou não fazer esse papel, aqui.
Você tocou em um ponto que me chamou muito a atenção: "Qualquer coisa que justifique o vazio de viver solitariamente em um mundo com sete bilhões de habitantes." Por mais que tentemos fingir estar "acompanhados", sempre estaremos sozinhos nos infinitos mundos particulares que, ultimamente, teimam em se exteriorizar... Mesmo assim, continuamos elaborando modelos, re-escrevendo sínteses, reavaliando teorias para explicar o tal fenômeno chamado "sociedade"... Como diria o Arnaldo Baptista: "Vou me afundar na lingerie, baby, me perder na relatividade das pequenas..."
Já concluí a minha intenção: "Acho que estamos no mesmo barco"... Você me acende um cigarro e eu remo...

Izabela Cosenza disse...

texto muito bom, simsim.
longa vida às ácidas alices!
Iza.

Daniel disse...

Jú, fantástico seu texto.
Acho que todos nós temos um pouco dentro de nós do que escreveu.

Concordo também quando diz que ao contrário do Kurt que pôde se dar ao luxo de queimar de uma vez, temos de queimar aos poucos.

Daniel

bohémien disse...

"The headshrinkers, they want everything
My uncle Bill
My belisha Beacon"

Radiohead - My Iron Lung.

Quanto mais eu entro na "necessidade" de adequação simbolizada na psiquiatria e psicoterapia, mais inutilidade eu vejo nisso tudo. Adequação é fazer uma planta trepadeira se virar crescendo num vasinho de 10cm, podando quando ela estica um bracinho pra tentar viver.

Acredito sinceramente que quanto pior estamos por dentro, piores ficam os ambientes pelos quais arrastamos nossa existência. Mudar de lugar é mudar seu destino. Querer que suas folhas cresçam, floresçam e dêem frutos é algo que precisa de espaço, de novos ares. Quando se está embolado nas próprias raízes inexiste esse espaço, tudo parece caótico. Tudo parece mais complexo do que realmente é. Aí vem um shrink e dá um nome de doença pra isso e sugere quilos de pílulas pra "resolver" o que eles inventaram.

Acredito também em Walden, que o isolamento pode sim ajudar a viver melhor, sem pagar por tratamentos nem contar com a piedade alheia.
Tomo antiepiléptico e antidepressivo, bebo até um certo ponto, antes que entre em surto. E tenho certeza de que eu não precise realmente deles, me bastaria regular alguns hábitos que eu nunca quis regular.
A bosta é dar crédito demais pro que os médicos falam. Forma o placebo reverso, com doenças e síndromes surgindo do nada, por sugestão.

Você sai dessa, Ju.
Pensa no seu futuro, não se freie por medo de perder a Ju antiga. A culpa é o princípio da merda.
Dormir é obsessão e às fazes "precisar" dormir parece até criminoso, coisa de vagabundo. Eliminar essa culpa é algo que eu próprio venho tentando.

Enfim! Força! YES, YOU CAN!

Marilia - C8-H10-N4-O2 disse...

A rotina é a prisão do ser humano. Tem gente que gosta dela, até dizem que tê-la é saudável... mas pra mim, a rotina é a terra que jogam sobre meu caixão. É aquele "detalhe" na minha vida que me impede de estar com as pessoas que eu quero, na hora que eu quero.
A rotina de ter que acordar, ir pro trabalho, voltar pra casa, fazer o trabalho "do lar" e continuar nesse loop, até o final de semana, quando, sem forças, me jogo na cama e durmo, fazendo assim uma nova rotina aos sábados e domingos.
Seilá, dizem que a gente ganha uma vida para fazermos dela o que bem entendermos, mas a realidade não é bem assim não.

Niela Bittencourt disse...

Obrigada pelo texto! Muito obrigada! Estava com saudade daqui... :D

quem é Tati ? disse...

profundo que causa perplexidade e apatia. talvez não fosse a melhor maneira, ou a reação comum. que se dane os nós talvez poderia dizer, desfazendo-os. de que valeria? bom dia, boa noite, boa sorte.
durma o sono dos justos. amargo, mas real teu texto. adorei. bom bom muito bom

Viviane disse...

Eu acho "amei seu texto" algo muito banal e clichê. Mas não consegui encontrar outra coisa. Na verdade até consegui, mas escreveria uma bíblia, e não um comentário. E o mais interessante, encontrar o Beto nos seus comentários. Cheguei por acaso no seu blog, e encontrei por acasa um apaixonado pelo bairro do Ipiranga que frequenta sempre os mesmos bares - Beto...rs

ju mancin disse...

Olhaí, gnt! Bóra todo mundo tomar cerveja na galeteria do Bacana.

Obrigada pelo comentário, Viviane!

Venha sempre para mais um trago, uns tragos ou qualquer coisa assim.

Beto Renzo disse...

Porra! No Bacana tem cerveja Colorado... de café!!!!!!!!!!

ju mancin disse...

No Bacana tem cerveja Colorado até de churrasco e ervas finas. Tenho certeza!

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