segunda-feira, 27 de julho de 2009

Noite de Irene

Lu Minami


Ouvindo: Ana de Amsterdã
(Chico Buarque)

Era inverno, mas uma folia grandiosa e cheia de suor se instalara dentro dela. A blusa de seda já estava um pouco molhada e a leve transpiração aparecia acima dos lábios.

A noite fria inaugurava a lua redonda e amarela, parada no meio do céu e seus olhos redondos e pretos faziam com que a lua refletisse feito um diamante solitário à beira de uma queda [uma lágrima].

Irene não era mulher de sentir frio, gostava do arrepio e do leve tremor. Apreciava andar pelas ruas, olhando de soslaio para os lados, procurando alguma coisa, farejando sempre um algo ou alguém. Mas sempre o fazia de maneira discreta para evitar o falatório das vizinhas tagarelas. Mas naquela noite, ela pouco se importou. Sentia uma urgência de sair, naquela madrugada que quase lamentava o seu nome.

No entanto, foi só pisar na calçada e começar a caminhar para que os olhares se voltassem para ela, tão pouco casta, tão pouco puta. Mas gostava. Mordeu os lábios num meio sorriso e continuou andando.

Também não ajudava o fato da saia ser rodada e leve. As flores cor de lilás estampadas no verde do capim, estavam loucas para pular feito confetes e serpentinas pelo céu. Então, bastava Irene se virar para olhar novamente uma vitrine para que a saia subisse e revelasse – quase, não muito, muito pouco – um pedaço de si. E só esse vislumbre bastava para que o homem na volta de seu nobre trabalho enlouquecesse e perdesse seu rumo tão certo, tão distinto.

E ela gostava de distinção. Tinha de ser reto [ereto], direto, sério e robusto. Gostava de loção pós-barba, cabelo alinhado, terno bem cortado. Perseguia olhares que não a devorassem, mas que a desnudassem aos poucos, como quem despedaça uma flor enquanto lê um poema. Mas acima de todas essas coisas, prezava mais do que tudo a mão forte e decidida. Grande o suficiente para dar a volta em sua cintura. Grande o bastante para não permitir sua fuga sempre certa.

Alguém no mundo teria de ser capaz de prendê-la, de amordaçá-la por vontade própria e assim aprisioná-la de uma vez por todas, sabe-se lá por quanto tempo. O bastante para que ela mantivesse por mais alguns segundos seu olhar no olhar de outro,a busca da lua nos olhos do outro. E ela assim desejava essa mão, a força carinhosa, o cheiro de vontade e o silêncio que gritava seu nome na respiração acelerada.

Mais uma noite de sexta feira. Uma noite de lua grande, sem estrela e sem vento.

A noite onde os cães ladravam sua fome e os gatos minguavam sua solidão.

A noite de sonhos sem lembrança e de memórias pela metade.

É noite de Irene.

sábado, 11 de julho de 2009

.blue train.


ju mancin [a mesma]

d ¨>¨ b the blues are still blue, belle and sebastian

de repente o mundo gira e amigos de longe brindam comigo a mais uma noite, estrelas que bailam diante de meus olhos e a lua, sedutora, me convida a mais uma dança. sem você, que seja, o mundo gira. sem dor, nem vazio, nada além da lembrança, a doce lembrança da sua voz, que sorri me dizendo, sou o mesmo, permaneço aqui, no nosso lugar, embora o mundo tenha girado. ainda somos os mesmos. me pego olhando pra noite, entorpecida, sentindo nada além da brisa do inverno num país tropical, e sorrindo e pensando, estamos aqui…

mil léguas nos separam, nem burroughs ou kerouac…bukowski talvez nos alinhe…mas não…sou van gogh [vincent ou theo]…

ache belo tudo o que puder, a maioria das pessoas não acha belo o suficiente…

aumento o volume do som e me perco no chiado da vitrola…é coltrane e o trem azul, me levando pra longe da vida besta, me arrastando pelas pernas pros bueiros distantes.

saudade…só saudade de algum canto de mim em que fui mais eu…

eu te amo!

terça-feira, 7 de julho de 2009

Alarme Falso

Lu Minami

Ouvindo: Drown in My Own Tears
(Lulu & Jeff Beck)


Ela dançava, girava e esvaziava o oitavo ou nono copo de bebida. Não soube direito como ele chegou perto ou como o cheiro dele se instalou quase instantaneamente no vestido novo dela. 


Ela simplesmente percebeu que algo intenso chegara perto demais. No mundo de lógicas colecionadas a duras penas, achava ela, isso significava um sinal vermelho grande e berrante. 


Mas virou-se e sorriu. 


Não parecia ser o tipo de cara que arrancava um meio sorriso dela. Muito arrumado, muito sorridente, feliz. Estranho demais alguém tão feliz no meio de tanta sombra, mas estranho mesmo era perceber que ela também estava feliz.


Ele tinha cheiro de banho às 5h da manhã. Ninguém cheira assim tão bem à essa hora. E ela se interessava pelo hálito de bebida com cigarro e não de menta fresca. Gostava do suor e não daquela colônia. Odiava amadeirados. O cabelo arrumado e o rosto sem barba não a convenciam. 


Ele chegou perto e soltou uma piada original. 

Ela odiava piadas vindas de estranhos, mas riu sinceramente. 


Ele tinha nome de apóstolo. 

Ela tinha nome de meretriz.


Ele queria saber dela.

Ela ainda não queria saber dele.


Ele encostou de leve os dedos no cabelo dela.

Ela fingiu não perceber.


Ele manteve a distância que o corpo dela pediu.

Ela chegou mais perto e sorriu de novo.


Ele trabalhava em banco.

Ela odiava bancos. Ela gostava de quem doía.

Ele não entendeu.


Ele queria saber mais dela.

Ela preferiu não contar, para não assustá-lo tanto. 


Ele chegou mais perto.

Ela deixou. 


Ele encostou a mão na mão dela.

Ela agarrou a mão dele. 


Ele a beijou e disse olhando no fundo dos olhos dela que ela era linda.

Ela... ela acreditou. 


Ele a levou para o bar, pediu a bebida dela e deu-lhe um beijo na testa.

Ela se aninhou nas costas dele como se a noite não fosse acabar.


Mas a manhã anunciou sua chegada e com ela, a vontade de brincar de amar, de fingir ser feliz por algumas horas. 


Em seguida, ele não sabia, mas ela retornaria para o silêncio bruto, sem espera, sem expectativa, sem esperança. Pois ela sabia, no fundo da alma dolorida, que quem a fazia doer um dia ia voltar e ela, com toda a calma e doçura do mundo, voltaria para doer mais, por cada vez mais tempo. 



I sit and cry,
Just like a child
My pouring tears
Are runnin' wild


quinta-feira, 2 de julho de 2009

.visceral.

ju mancin

d °_° b make my mind & sworn and broken, screaming trees

lá fora um frio! chove. é inverno no inferno! a cidade suja, se parece mais cinzenta do que habitualmente. meus olhos d’alma não se acostumam com essa falta de cor. a morbidez da tarde invernosa sequer se parece uma tela em branco, que poeticamente, espera a macula do pincel. o que vejo por fora me reflete aqui dentro. tento e tento e tento combinar a flor teimosa de algumas árvores com o piche do asfalto. e tento e tento, buscar calor num tristonho dia cinza.

em vão…

meus fones vibram a voz do trovão… “all these dying daaaays…”, mudo a faixa, “down in a hole, losing my soul” me diz alguma verdade. um turbilhão de palavras dança na minha retina, a caneta se recusa a dizer teu nome e jura, que por ti, nem mais uma linha e eu, me recuso a reagir, seguro firme o coração e me acomodo pra assistir melhor esse embate entre corpo e alma, sem torcida ou favorito. seja como for, no final, quem tomba sou eu, diante da razão ou da emoção, quem apanha sempre sou eu! [e na cara…]

o bate-bate ritimado das máquinas do chão da fábrica, me colocam num transe, me distancio de tudo e me aproximo de júpiter. caminho entre estrelas e a noite no espaço, me parece menos fria que vista do tapete na cidade grande que me abriga & abala.

no fone alguém repete “you make my mind! you make my mind! just wanna leave this world behind!

o telefone dispara e me coloca na terra. me encerro com a certeza de que não terminei…

You´re on my mind…

I´ll try again on another day!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

No poço de estrelas apagadas

Lu Minami

Ouvindo: Lived in Bars
(Cat Power)

É madrugada. Os sons do bairro soturno e boemio da cidade se confundem com alguma voz doce e rouca que sussurra através das caixas de som precárias. O copo de conhaque vai secando aos poucos. Péssima escolha, colocar cubos de gelo para descer menos quente. 


O cigarro terminando, as cinzas aumentando. E ela na doçura da noite não consegue se lembrar da última vez em que derrubou a luz dos olhos em algo que estremecesse todo o seu corpo. 


Ah, inventa... escreve coisas absurdas. Pensa em frases tolas, diálogos que nunca vão existir, pessoas que nunca vão chegar e, se chegarem, passarão sem vê-la. 


Quanta tristeza, não? Mas nem isso sente mais. Quer sentir muito, transbordar de loucura, mas os pés firmemente fincados no chão do firmamento nublado não a deixam desanuviar a nuvem espessa que cobre a sala de estar do seu peito. 


E decide, louca e cheia de si, se trocar para a lua que enche aos poucos no céu todo negro. 


Botas até o joelho, uma calça de plástico barato e uma blusa cheia de bordados, rendas, transparências. Colares, brincos e pulseiras adornam um corpo cheio de vontade e algumas dobras inevitáveis do tempo. 


Tira o borrão do olho preto e passa batom. Escolhe lavanda para o pescoço e os ombros, caso apareça um abraço despretensioso ou uma trombada descuidada. Se olha no espelho uma última vez para ajeitar o cabelo marcado pelo coque da manhã. 


Caminha suavemente para o sofá e senta com um cigarro pela metade, esperando a madrugada levá-la e adormecê-la no mundo dos sonhos perpétuos e pela metade. 

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