Lu Minami
Ouvindo: Bem querer(Chico Buarque)Eu queria me fantasiar. Me deram de empréstimo uma asa de anjo quebrada. Fiquei olhando a pobrezinha, sem poder voar, coitada. Achei um vestido de puta no meu armário. Anos 50, colar de pérolas, salto agulha. Combina.
Condiz melhor com a condição. A condição de continuar sem saber o que fazer com o pouco que tenho e que poucos acham muito. Outros, muito pouco. Condiz melhor com a minha visão que fica embaçada e não enxerga nada. Há quem enxergue nessas remelas um pouco de brilho, enquanto coço os olhos para arrancar o rímel seco. Ficam vermelhos, borrados e me acham bonita quando estou triste. Empresta um pouco de vida à essa carcaça de falatórios, caminhos errados, encruzilhadas sem saída, portas fechadas.
A puta então, dos anos 50, desfila, com uma garrafa de cerveja já morna, as pernas descobertas depois de verem algum creme para disfarçar o ressecamento do sangue. Depois de tanto andar a esmo, entre fadas, jogadores, palhaços, personagens da minha infância, nada vê a não ser o reflexo de coisas perdidas além do seu reflexo no espelho enorme que mostra a pinta ao lado da boca feita grosseiramente com canetinha, essa que virou a continuação do sorriso sem sorrir. Nem a fantasia escondia.
De tudo, a única verdade foi aquele abraço.
E todos os limites de velocidade que foram ultrapassados, com a echarpe voando, as capas de livros sendo descoladas e jogadas longe.
Parece que estourei minha carta.
Mas sabe...
Vento no rosto ainda é uma das melhores coisas da vida.
... Que não vai haver adeus jamais
Há de responder com juras
Juras, juras, juras imorais
... Tome conta que ele sonhe em paz
Como alguém que lhe apagasse a luz
Vedasse a porta e abrisse o gás