Lu Minami
Ouvindo: Último Desejo
(Noel Rosa)
Ela queria mesmo o calor. Cansou do inverno e das noites em que ela ficou quieta no canto de sua cama, quase com medo da imensidão daqueles lençóis e dos dedinhos finos e gelados que a deixavam embaraçada e cheia de repulsa de si mesma.
Glorinha queria casar quando menina, de véu e grinalda. Tinha lá seus sonhos bobocas da vida pasmando na sua frente e ela tonta, sorrindo. Cresceu e agora passava maquiagem, ajeitava o cabelo e botava saia um pouco acima do joelho. Andava de salto e de bolsa a tiracolo, quando estava em rua diferente, gostava de rebolar na rua e de arrancar as frases de sacanagem de gente que nunca ia ter nada com ela. Pedreiro, motorista de caminhão, motoboy. Claro que não, só dou para quem for bom demais pra mim.
E sentia um calorão subindo entre as canelas e que quase levantava seu vestido quando percebia os olhos em sua direção. Mordia o lábio e precisava tomar um litro d´água gelada. Ai, minha santinha, o que está acontecendo comigo?
E seu namorado, Antônio que era mais santo do que os próprios castos, a levava no cinema e ficava de mão dada. E nada de mão boba, nada de beijo na nuca, chupão no ouvido. No escuro, Glorinha piorava. Sentia o rosto ficar quente e as pernas bambeavam. Ela bem que tentou outro dia, deixou cair a bolsa e quando voltou para a cadeira, encostou o rosto perto do cavalo da calça do moço e ainda por cima deu um jeito de esbarrar os seios no cotovelo do rapaz. Que nada, o menino suou frio e tremeu, escondeu o meio das pernas com a mão, mas ficou parado, olhando para a porra da tela branca.
Na outra vez, Glorinha não titubeou. Foi sem soutien e sem calcinha, mas sempre mantendo a linha de moça comportada. Saia preta até o joelho, camisa fechada no pescoço e uma blusa para combinar e esconder a falta das roupas intimas. Sua amiga Irene que tinha ensinado. Vai lá, Glorinha, na hora vc sabe como fazer. Se o Toninho fica com a mão dele grudada na sua durante o filme, fica fácil de escorregar para baixo. E ria, a amiga Irene, ensinando tudo para a Glorinha, menina mais nova e cheia de viço.
Foi o que Glorinha fez. No comecinho do filme, Glorinha puxou a mão do rapaz para debaixo das saias.
E, gelado:
- Glorinha, o que você está fazendo, criatura?
- Deixa de ser bobo, Toninho, ta escuro.
- Mas, mas.
- Calaboca, homem. Faz direito esse negócio aí. Mexe direito. Olha... bota tua outra mão aqui.
- .... glo..ri....
- shhhhh. Silencio, vai que alguém percebe?
- Chega!
Levantou, vermelho de irritação.
- Você enlouqueceu? Virou puta, foi?
- Você que não ta querendo ser homem, Antônio. – enquanto cruzava as pernas, pegava uma lixinha e olhava para as unhas branquinhas de leite.
- .... Vo-vo-você ta merecendo um tapa isso sim. – grita, gagueja e cospe o pobre Antônio.
Glorinha deu uma risadinha, levantou-se e foi embora.
Irene disse, entre gargalhadas, para Antônio que já estava de casamento marcado com uma beata chamada Clara:
- Ah Toninho... sua Glorinha é a rainha da classe proletária, meu filho. Você, filho de banqueiro, não deu conta do recado. Ela foi se ver com homem que pudesse segurar aquelas pernas e toda aquela carne.
O coitado e impotente do Antonio que nunca esqueceu Glorinha. A única que tinha conseguido fazer aquilo com ele no cinema.
E a pobre beata só dizia... Deus me livre!