quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Mais tempo...


Lu Minami

Ouvindo: Edge of The World, Faith No More.


Um pouco de tempo, ela pede. Tinha cabelos longos e lisos que nunca tinham pontas quebradas ou embaraçavam. Tinha olhos sempre úmidos, daquele jeito que a gente fica quando boceja ou quando está prestes a chorar. Sua boca era rosa, combinava com a cor das maçãs do rosto e contrastava com a testa alta e lisa.

Mas ela, delicadeza esmiúda dentro daquele corpo franzino, se sentia um animal. Não pelo sentido voraz da palavra, mas porque suava, se despenteava e esticava a boca, arreganhando os dentes brancos com os caninos alongados. Suas unhas se enterravam na pele quente daquele que, por cima dela era, por sua vez, voraz no sentido literal da palavra.

Pensava se era o certo. Questionava os motivos e não encontrava nenhum que justificasse aquela posição. Estava por baixo ou por cima, tanto fazia. Ele a segurava forte, como quem nunca mais vai deixá-la, mas ela sabia, dentro de suas unhas cor de leite, que ele iria escapar novamente. Passavam pensamentos obsoletos em sua cabeça: o trabalho que era feito com preguiça e sem paixão; a sua mãe que esquentava água para o café todos os dias; os discos que ela nunca tinha comprado; as despedidas esquecidas na gaveta. Ela se sentia obsoleta naquele instante que amanhã não teria importância alguma para ele. Ele continuava indo e vindo, no vaivém desenfreado de quem tem pressa. Ele deseja partir logo e ela, mesmo com o discurso pronto na ponta da língua "Não vá embora, fique aqui", não via a hora de acabar para sentir saudades daquele cheiro, a pele molhada e a boca entreaberta em contraste com os olhos fortemente fechados.

Parecia bonito, ela pensava. Aquelas boas histórias para se contar na companhia de um vinho seco e um Marlboro pendurado nos dedos com as amigas ouvindo desatentas à história que se repetia mais uma vez. O de sempre, elas diriam. Quando você vai parar de se machucar, elas repetiriam. Até quando você vai deixar que ele a use, elas insistiriam.

Mas ela, na escuridão do quarto, só pedia um pouco mais de tempo. Mais tempo, mais tempo, mais um pouco para lembrar a intensidade, o fervor e o sal da pele daquele que sempre ia embora meia hora depois.

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