quinta-feira, 25 de maio de 2006

Véspera de um aniversário

Lu Minami

Ouvindo: L´Excessive, Carla Bruni

Fui celebrar antecipadamente os anos de uma amiga que não via há bastante tempo. Como estou numa fase de retomada, me levantando aos poucos de um tombo que me machucou um bocado, aceitei o convite. Mesmo com enxaqueca e o cabelo sujo. Mesmo com o blush exagerado, um sorriso esticado na cara e de blusa e cabelos novos.

Mas lá estávamos, num bar legal, descolado de São Paulo, cheio de beldades e alguns engomadinhos do mercado financeiro. Nada que enchesse os olhos ou a barriga. Só esvaziava a carteira e o espírito. A mesma conversa de mulheres, as mesmas reclamações e as mesmas risadas. Quando fui embora, dei uma última olhada para o bar alto, lotado, iluminado à luz de velas e me senti imensamente sozinha. Acendi um cigarro e mesmo esse companheiro, meu pulmão resolveu expulsar. Onde está? Cadê? Onde foram parar aquele tesão, aquelas gargalhadas escandalosas, as conclusões brilhantes? Resolvo dar ao meu coração a chance de me mostrar o quanto está revoltado comigo e deixei a vista embaçar um mundo vazio, uma noite vazia, sem ninguém para conversar do lado, sem nenhum celular para atender, sem ninguém para lembrar e enternecer. Até minha mãe tinha me dado uma trégua e não ligou para me lembrar que estávamos em plena guerra urbana.

Meu coração realmente se aproveitou da chance que dei para se partir em mil pedaços, bem ali na minha frente. Cada caquinho berrou impropérios, estraçalhou veias e me mostrou o sangue fino, quase transparente, bem ali. Entre o volante e o vidro do pára-brisa. Jogou na minha cara essa fraqueza como se fosse uma panqueca que desandou na frigideira e não servia para mais nada.

Limpei meus olhos e mirei direto sua aorta. Desejei esmagá-la com o indicador e o polegar. Desejei não ter ido celebrar os anos de alguém antecipadamente, desejei não haver mais felicidade para buscar e lutar. Desejei não ter aquele fiapo de força que ainda restava dentro do meu peito vazio. Desejei o tempo parar naquelas mesmas gargalhadas 20 minutos antes e ali ficar, na superfície, à luz de velas com gosto cerveja gelada. Desejei não ter mais essa carência que gera relacionamentos fracassados por culpa minha. Desejei não ter mais meus CDs tristes, minha trilha sonora deprimente. Desejei não contar com o meu cobertor furado, que quase não me esquenta mais, porquê arranco todo o pêlo para me acalmar e me deixar dormir uma noite sem pensar na gente. Desejei não viver e parar de sonhar. Endurecer, empedrar, concretar. Virar estátua para ninguém parar e olhar. Desejei não olhar para o lado e esperar te encontrar.

E aí, esse meu coração gritou mais uma vez meu nome e disse que eu não merecia essa vida boa de estátua: "Não foi dessa vez, meu lugar é esse aí, dentro do seu peito oco"
E se jogou para dentro de mim de novo.

Meia-noite. Felicidades à minha amiga.

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