Lu Minami
Ouvindo: Balada do Asfalto
(Zeca Baleiro)
No meio da cidade. No centro de tudo, síndica de mim mesma, uma confusão dos diabos.
O amor e seu otimismo irritantes querendo aparecer, o ódio e sua insistência chata querendo se esconder no alto do 9o andar. O garoto inteligente que continua a ler seu livro só para ter o que contestar, ter o que não acreditar.
Um sobe e desce pelas escadas de emergência, incêndio, dilúvio, acabou a luz.
De esperança, resta pouco-quase-nada nas residências. A vizinha do 4o andar, louca de desejo por um beijo que signifique algo, mira suas paredes vazias. O outro rapaz, do 8o andar querendo solidão, um pouco calada, disfarçada de amargor, esboça alguns desenhos na parede coberta de limo. A menina com rabo de cavalo ruivo do 7o andar, olha para seus brinquedos e pensa numa solução para não brincar mais sozinha, sonha em dividir seus brinquedos e livros de figuras. Lembra-se então, com um sorriso banguela, de seus amigos imaginários que moram em seu armário embutido.
No térreo, pé no chão e um pouco de desordem. Uns querendo morar no subsolo esperam as escadas liberarem para descerem de mala e cuia para o buraco da garagem, seus buracos. Outros resolvem que preferem morar no terraço que fica no topo do prédio e que funciona como heliporto, esperando a salvação de alguma corda, de algum vento, arrancando as redinhas de proteção para sentir o perigo soprar-lhes no ouvido.
E assim, no meio da baderna, o moço bonito e perfumado que ninguém ousa chegar perto e que mora no 13o andar chora calado no elevador enguiçado e escuro, pensando em sua mãe, enquanto a morena sexy do 20o andar pensa numa maneira de atingir o poço do elevador. Calada e decidida.
O zelador não se preocupa. Há tanto para limpar, sujeiras esperando serem recolhidas, janelas que precisam ser lavadas, piscinas que precisam trocar sua água, enquanto o café pinga paciente na cafeteira branca. Para ele, só lhe resta de útil a vassoura para varrer longe tudo que não serve mais.
As esperas todas jogadas pela janela fazem uma bonita chuva de papel picado e acinzentado. A velha mulher do 5o andar liberta seus canários pela janela e, com medo do fim do mundo ter chegado, olha com carinho para o retrato do seu falecido filho e se arremessa lá de cima junto com as asinhas amarelas. Cai macio na grama, sem barulho, sem dor. Enquanto isso, a moça triste do 4o andar ainda olha as paredes sem prestar atenção no que acontece em suas janelas.
As crianças brincam no playground, não notam a velha caída e continuam com suas brincadeiras antigas. Sentem falta das suas mães, mas a brincadeira é melhor e sabem elas que suas mãezinhas as esperam no salão de festas, ocupadas com a vida umas das outras.
De repente, alguém se lembra.
Cacete, e a síndica?
Zelosa com seus moradores, respira aliviada, recostada na rede branca de sua varanda.
Finalmente, tudo voltou ao normal nesse edifício.
Me dê um beijo, meu amor
Só eu vejo o mundo com meus olhos
Me dê um beijo, meu amor
Hoje eu tenho cem anos, hoje eu tenho cem anos
E meu coração bate como um pandeiro num samba dobrado
Vou pisando asfalto entre os automóveis
Mesmo o mais sozinho nunca fica só
Sempre haverá um idiota ao redor
[Não é que eu ache que o mundo tenha salvação. A alma é o segredo do negócio]
6 comentários:
um caos vertical!
adorei!
Caraca! Você escreve muito bem; adorei aqui e adoro zeca baleiro. Beijos
Fudido, dona Lu!
Clap
Clap
Clap
Nossa, eu já estava até agoniado
Descreveu o que ocorreria aqui no meu condomínio se fosse o fim do mundo.
Pode até ter outro significado a você, mas é o máximo que consigo interpretar.
Jú, a chuva na minha postagem que você comentou por último representa sim o caos, mas nesse sentindo que temos visto pela tv. Mas na verdade eu amo chuva e a nostalgia que ela nos trás através da janela.
Beijossss
Todo sindico é confuso e meio triste.
Igual você, rabugenta e toda essa coisa atrapalhada que pula, da cabeça para a caneta. Da caneta para o papel. Do papel direto para a minha cabeça.
Confusao do caralho!
Finalmente, hein Japa.
Muito bom.
Beijos
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