Lu Minami
Ouvindo: Wild is the Wind (Nina Simone)
Eu sabia, estava entrando na fase. Os sinais começavam a ficar claros e as pessoas amáveis ao meu redor se preocupavam e me cercavam junto com seus cônjuges também amáveis que ligavam e queriam saber mais. “Tem algo errado com ela, ela está triste, o que ela tem? Será que é de novo o cara? Odeio quando ela começa a falar e perde o olhar no teto. Definitivamente tem algo errado”. Eu sabia da fase porque estava começando a olhar com aflição os meus pés e pensava nas pequenas rugas que começavam a aparecer. Eu sempre penso que rugas nos pés só valem se eles estiverem velhos de tanto andar. Eu andei bem pouco nessa vida. Eu sabia porque algo começava a se alastrar em mim como uma idéia genial que ninguém nunca teve. A barriga contorcia e tinha espasmos gelados junto com a minha neurose e minha timidez, tudo misturado com o calor que invadia minha garganta. Eu sabia que estava entrando na fase porque minha voz estava falhando, como quem parece ter gritado a noite inteira ou então como quem permanece dias e semanas em silencio. Eu sabia porque minha boca estava reta, numa linha fina e seca e eu só conseguia passar a língua sobre os lábios para fazer rachar e sangrar. Eu sabia porque começava a esquecer nomes de coisas e pessoas porque elas iniciavam o processo irremediável do tempo, onde deixam de ser realidades para se tornarem memórias. Eu sabia porque permanecia em silêncio nos meus diálogos internos, como quem pondera e avalia, pesa e pensa a respeito. Eu sabia porque as cores começavam a adquirir tons estranhos e confusos e as pessoas começavam a ficar pálidas, como os vídeos da infância. Eu sabia porque meus cotovelos estavam duros demais, como quem aprende um só golpe de defesa durante toda a vida. Eu sabia porque estava ouvindo muito mais jazz do que antes na tentativa de ajustar meu ritmo e torná-lo universal. Eu sabia porque pensava em tatuagens e colorações de cabelo para fugir do reflexo antigo de mim mesma. Eu sabia que estava entrando na fase porque o encanto acabou e ninguém conseguia me manter por perto por muito tempo. Eu sabia porque quando andava, me perdia. Eu sabia porque quando dormia, sonhava longe. Eu sabia porque a graça não estava mais comigo; sem graça, sem amor, sem paixão e sem desejo. Eu sabia porque meus olhos estavam desconfiados no espelho. Eu sabia porque o peito calava e as pernas tremiam. Eu sabia porque minhas mãos me encaravam o tempo inteiro e me cobravam uma atitude, um gesto. Eu sabia.
7 comentários:
<3
eu sabia. e não pude fazer nada contra. eu sabia, mas não pude evitar. eu sabia mas NAO quis evitar. eu sabia, mas pisei fundo e deixei o carro desgovernado me despedaçar no muro de uma esquina qualquer.
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ultimamente "eu sabia" tem me matado mais do que "e se"... e isso é muito relevante...rs
lindo post de CaioFernandoManiaca pra CaioFernandoManiaca.
gosto tanto, tanto e depois isso do "eu sabia") ser mais mortifero que todos os "e se" e o nome do heterónimo autor do post (Caio, N'ando Maniaca, variante de "eu não caí eu me atirei no chão) gosto tanto, quase demais.
=) É por essas amorosidades que a volta para o mundo das letrinhas e das palavras me deixa feliz e aliviada. Valeu, Tiago!
"Eu sabia porque pensava em tatuagens e colorações de cabelo para fugir do reflexo antigo de mim mesma."
Quantas de nós já fizeram isso - ou pelo menos tiveram vontade!
Entrando em fase, nem sempre a gente sabe. Mas depois do texto, vou tentar lembrar dos sinais :]
parabéns!
Lu, que bom esse texto!
Porra Lú. Do caralho. Materializei-a no texto. A cena toda, como 5 minutos de um filme.
Lindo! Me valeu..
Beijo enorme!
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