Lu Minami Ouvindo: I Should've Known Better
(Groove Armada)
Existe uma noite que eu amo. Dessas que a gente tem certeza que vai guardar tudo, todas as gotas, até a última ponta, dentro do fichário da memória e esperar ansiosamente pelo dia em que um desses cheiros invada o nosso peito e arrebate a vontade de passar de novo por esse tempo.
Começa pelo dia, o dia exato em que o outono termina para dar lugar ao vento gelado do inverno. São os melhores fins de tarde. O outono termina em noite de lua cheia, dias fabulosos e claros, noites geladas e limpas. O dia desce laranja, com a subida da ladeira rumo às ruas mais movimentadas da cidade, o trânsito cheio, as sirenes ligadas, em contraste com o vapor quente que sai das milhares bocas que passeiam pelas avenidas. Gola do casaco levantada, olhos apertados, passos rápidos, café em mãos.
Depois disso, uma conversa, um telefonema, uma dose.
A espera inquieta pela noite fechada sem traços azuis ou rosados no céu, só as luzes de letreiro e os faróis.
Outra dose.
As pessoas indo e voltando do trabalho, rindo, chorando, brigando, sozinhas, em pares, em bandos. As cores, os barulhos todos juntos, livros sendo lidos e descartados, pratos quebrando, discos sendo vendidos, filmes sendo vistos, corpos sendo alugados, papéis sendo rasgados, trocados, renovados. O gerúndio a todo vapor, celebrando os momentos instantâneos, presentes, em tempo real de uma metrópole que acontece loucamente, em todas as direções.
Finalmente, o som cortante e repetido no ouvido, que faz com que os sapatos mudem de lugar, os joelhos se encontrem, a cintura dance, os olhos fechem, os cabelos voem. E na pista lisa e escura, o encontro com a melhor e pior coisa da cidade grande: a solidão. A solidão bem vinda de dançar sem esperar a oferta de um abraço medíocre. A solidão maldita que traz a certeza de que a morte chegará um dia, daqui a alguns anos ou minutos e você estará absolutamente e irremediavelmente sozinho.
A solidão e companhia de si mesmo com um último cigarro.
E outra dose.