quinta-feira, 27 de março de 2008

Tarde vermelha

Lu Minami


Ouvindo: Big Black Smoke
(The Kinks)


Ela parou frente ao caderno de folhas brancas, sem linhas, sem pauta. O céu tinha cheiro de morte, e as cores das flores subiam com a brisa daquele dia morto, quente, exausto.

Delicada, saias farfalhantes azuis, mordia a ponta do lápis. Queria escrever algo que não fosse sobre o amor. O amor entre pessoas, o amor ligeiro que a gente mal percebe, ou o amor longo e etéreo. Também não ousou escrever sobre a paixão de uma noite, o sexo inebriante. Não quis, seria pouco. Havia muitos poros e fluidos nessas histórias. Sem amor ou paixão.

O conto deveria ser sobre suas caminhadas e as canções que cantarolava. Sobre os desenhos que rabiscava sua mente confusa, sempre com calor, sempre sedenta. Queria traçar o mapa de suas pernas, o passeio de suas sapatilhas pretas, até onde a levavam? O trilho do trem, a espera do café, a hora do filme, o resultado do jogo, o parágrafo em que parara antes de pegar no sono.

Ela e suas vésperas. Pensou em como se livrar do preâmbulo dos acontecimentos de sua vida, enquanto as pás lentas do ventilador levavam os segundos daquela hora. E que não se repitam. Ou então sim, repitam, sublinhem a sua desventura de cair e não se machucar.

Escreveu sobre ladeiras, o topo e a descida. O vento que soprava do mar no fim da tarde. O chapéu que se abaixava quando passava. O olhar no salão. O barulho dos sapatos enquanto a banda toca. O cheiro vagabundo, a bebida, a vadiagem ferida, a lua violentada pelos seus amantes. A rua. O chamado da rua. Os bancos de praça.

Escreveu sobre a noite e seus habitantes. Escreveu sobre si mesma.
Escreveu sobre o amor e a paixão da vida que a cerca. Apaixonara-se por si mesma e escrevia a ode em homenagem ao seu reflexo no espelho quebrado.

Alice e seus amores. Alice e suas maravilhas.

3 comentários:

Anônimo disse...

sinto saudades da alice.

bóra pra wonderland!

Anônimo disse...

alice, wendy & dorothy.
Lost girls...

perdidas no mundo de oz, neverland e wonderland.

Anônimo disse...

"Queria traçar o mapa de suas pernas, (...), até onde a levavam?"

Estamos esperando esse post.

Beijos e Lust For Life.

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