quinta-feira, 24 de maio de 2007

Horas Vagas

Jú Mancin


d °_° b 1969, The Stooges

Eu gosto dos meus amigos não só pelo que eles tem a dizer, mas pela forma como eles dizem...

Horas Vagas, por plágio

Preparei um imenso mapa da cidade vazia. Calculando as rotas propícias para meus passos. Articulei estratégias na busca de um atalho impossível. Corrigindo qualquer discrepância inusitada dos números. Sabia que seria árdua tarefa desafogar esse trânsito caótico de meu caminho. Lancei mão da lógica mais óbvia para desviar-me do terrível destino vegetal & humano. E com sutileza demarquei a área onde descansar meu tempo. Nas horas eu acrescentei um espaço. Preenchi as lacunas de cada segundo cultivando um ócio necessário & ilusório. Estar nesse imenso território do tempo que me prende. Tempo escasso. Escape cotidiano sem futuro. Surpreendente presente passado. Tão vago quanto as horas em que me perco. E dentro delas os minutos e segundos até o terrível infinito. Fui longe para um despropósito. E teci os planos para a noite. Sob a chuva e carregando o fardo de papéis avulsos guardados em invólucros absurdamente frágeis. Inventei uma teoria para descobrir o lugar. As mãos velhas do tempo tremiam assinando seu nome na tábua das leis. E nem os cães latiram como sempre. Uma poça indiferente. E a correnteza fria rumo ao bueiro onde dispensei meu trabalho junto ao vento. Corri. Subi a ladeira do desaforo. Dobrei a esquina do desabafo. A cada respectivo buraco, um correspondente papel. Palavras desperdiçadas que eu carreguei até esgotar a carga. Sim. Porque eu xinguei a mãe de deus. E o presidente. E todos os banqueiros. As instituições filantrópicas e os dízimos periódicos. Sim. Eu soneguei o tempo. Parei ensopado com o néctar da vida. Parei sob um alpendre baixo. E fiquei a fumar. Fumei o tempo. Eu sem relógio sabia exatamente que era a hora. Sentia nas veias o tic–tac tedioso e fulminante. Fui me esgotando como um mar sem fim. Até as gentes se admiravam. Será que ele consegue o que a escuridão esconde? Acho que vai adoecer. Sim. Quem sabe uma pneumonia, ou mesmo uma crise generalizada. Uma revolta das células. O feriado universal do funcionamento do corpo. Férias da alma. Sim. Ele seria capaz de arrastar o cortejo até a porta do infalível. Sim. Ele dominava seu setor. Conhecia cada ferrugem dos portões. A voz do senhor sem perna, sempre o mesmo bom dia, plantado sob a sombra do abacateiro cujo qual fora podado por um bandido que não tinha outra intenção senão desbaratinar os canas e ao mesmo tempo ganhar o movimento da vila. As conversas dos vagabundos nos bares. Os maconheiros na praça querendo saber quem tem. As alcoviteiras de sempre. As imperfeições do asfalto. O lixo nos terrenos. A dona que traia o marido. A filha que era sapatão. O dono do mercado que era veado. O empresário que mandou matar o jornalista. O jornalista que não era jornalista. O prefeito que era delegado. Os vereadores pedófilos. As crianças prostitutas. Os pais coniventes. Os poetas que não escreviam. Os artistas operários. Os viciados em craque que não pensavam em nada torrando a grana dos pais. Os burgueses cristãos filhos da puta. A alvorada no morro. O chefe da tribo viajando. E o chefe do chefe prestando contas ao chefe. As chaves. Os cartões magnéticos. A maldita fumaça dos caminhões. Os livros que não li. As viagens que adiei. Minhas pernas. Meu pênis. Meu crachá. O professor de geografia. A linda garota que sorriu insinuante. Os poemas de Pablo Neruda. Os pingos da chuva. Os computadores. A revolução das máquinas. O acasalamento das formigas lava-pé. As folhas caídas antes do outono. O atraso programado de cada dia. O discurso pronto. Os filmes que eu queria assistir mas não passam no cinema daqui. O cinema que virou igreja. A igreja que virou fábrica. A fábrica que virou loja. A loja que virou casa. A casa que ficou vazia. A casa que foi invadida. A estação de trem que virou teatro. O teatro que virou boca. A boca que foi estourada. A policia que roubava carros. A dona do puteiro que pagava pau. As putas que eram feias. As feias que eram putas. As putas puritanas. As putas universitárias. E os mendigos aidéticos. E o relógio que parou. Tudo isso. Tanta coisa. E nada ao mesmo tempo. Tudo era sabido. Até romper-se o acordo financeiro. O laço afetivo das coisas. A aurora da liberdade escravizante do dinheiro. Propaganda da vitória da cara gorda do teu pai que comprou o reino da banalidade e vendeu a alma ao satanás. Desconjuro & rogo praga que tua chaga seja mais que uma boba discussão de bar. Sobre os rumos da terra. Essa selva de rinocerontes famintos desiludidos e sem propósito. Enquanto eu... quanto a mim me resolvo & não arredo o pé da utopia – essa estranha realidade.

6 comentários:

GMacin disse...

OW. Nao eh seu estilo mas eh bom

Anônimo disse...

Eu não sei o que dizer além de

Anônimo disse...

SEM COMENTÁRIOS......MUITO BOM MESMOOOO!!!

Sérgio, Tiago e Raphael disse...

Gostei da revolta das células...

Vou começar a chamar meus espamos momentâneos, que costumo chamá-lo erroneamente de "tesão besta" por "revolta das céluas".

Muito Bom!!

Lu M. disse...

é, senhor plágio... muito bom!

:o)
Lu

ju e lu [e vice-versa] disse...

Salve Kerouac!!! rs

Não, não é simplesmente um carteiro. É um carteiro na chuva!

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