segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Zabé, Zabé...

Jú Mancin


Ouvindo Toada Velha Cansada, Cordel do Fogo Encantado.

Antes de qualquer coisa, gostaria de elogiar a atitude do Excelentíssimo Sr. Prefeito de São Paulo, José Serra, pela VIRADA CULTURAL em SP, realizada no final de semana. Até que enfim, alguém percebeu que o povo não quer só comida, e precisa muito de diversão e arte! Como já disse antes, ele não comprou meu voto, não com esse fim-de-semana cultural, mas ganhou o meu respeito.

Há tempos atrás assisti a um show desses caras. Fantástico. Poesia ritmada, percussão incansável. Eletrizante. Mas o que me chamou a atenção, foi o Lirinha recitando uma poema de Chico Pedrosa, que falava da Zabé. Eu passei uns anos caçando esse poema pela NET, e hoje encontrei, com seu verdadeiro nome, chama-se Do outro lado de lá. Vou postá-lo aqui, não deixem de ler, e nunca, eu disse NUNCA, perca um show do Cordel, você pode ser presenteado pelo Lirinha, com a declamação dessa poesia.

Do Outro Lado de Lá (Chico Pedrosa)

Seu vigário esse papé
recebi da sua mão
quando casei com Zabé,
fia do seu sacristão,
espie sua assinatura
de tão véa tá escura
que inté prá lê dá trabai
mas foi o senhor que fez
eu vim aqui outra vez
pro senhor quebrá meu gai.
Me empreste logo o rosário
e diga donde eu me ajueio
corra e tire do sacrário
o livro de dá cunseio
se ajueie e vá rezando
me ajude tô precisando
tomar umas providência
Zabé morreu faz três ano
mas vive me catruzando
que eu já tou sem paciência.
Seu padre essa escritura
ou seja, esses decumento
é a lembrança mais pura
que eu guardo do casamento
merece tanto respeito
que eu nem sei dizer direito
quanto vale esse papé
guardei com todo cuidado
se ele hoje tá manchado
a culpada foi Zabé,
que antes de se casar
era um amor de menina
passava as horas a rezar
tocando na sarafina
querendo imitar os anjo
prá laçar esse marmanjo
como de fato laçou
com as corda do má custume
ensebada de ciúme
que não sei onde ela achou.
Passei vinte e cinco ano
vivendo nesse tuimento
e faz três que tô morando
do purgatório prá dentro
tudinho por que Zabé
dispois da lua de mé
garrou de ter ciúme deu
e inté quando sonhava
dava um pulo e se acordava
prá mode brigar cum eu.
E eu dizia Zabé...
acaba com essa besteira
tu sois a minha muié
deixa dessa ciumeira
que o que é ruim não interessa
vai prá missa, te confessa,
e ela ia? Ia nada,
ia pulá no terreiro
do véi Migué xangozeiro
pai de santo da maiada.
Nos terreiro de macumba
Zabé era uma paiaça,
aprendeu a tocar zabumba,
fumar e beber cachaça
puxá peixera e brigar
e se eu ia aconseiá
Zabé virava no cão
dava febre, adoecia
passava cinco, seis dias
levando vela na mão.
Igualmente a Zabé
o sol não cobre outro traste
onde ela butava o pé
nunca mais nascia pasto
gostava de uns mexerico
umas cunversa, uns fuxico
coisa de gente mesquinha
foi num foi chegava em casa
com os olhos da cor de brasa
num sei de onde diabo vinha.
E mandado num sei pro quem
um dia tomou uns porre
caiu do carro do trem
ficou morre mais num morre
seu pai de santo veio cá
levou ela pro gongar
deu-lhes uns passe de magia
junto com seu cambono
Zabé agarrou no sono
morreu nesse mesmo dia.
Graças a Deus, me livrei
dessa cruz que eu carregava
mas né que um dia eu sunhei
que Zabé ia e vortava
acordei sentindo um cheiro
de foia de marmeleiro
com fumaça de escama
abri os óio e vi um vulto
me dirigindo uns insulto
sentado no pé da cama.
Ah seu padre nessa hora
fiquei mais fri do que gelo
arripiou sem demora
tudo quanto foi cabelo
eu nunca fui de tremer
nunca fui de temer
assombração nem visage,
mas quando vi a marmota
me senti um idiota
fartou-me folego e coragem.
As reza que faz sucesso,
ha rezei que fique cansado
rezei o credo as avessa,
o rosário atravessado
o pai nosso miudim
inté a reza de São Longuim
que minha avó me ensinou,
mas quanto mais eu rezava
mas a alma se enfiava
debaixo do cobertor.
Aí eu pensei comigo
que diabo essa alma qué
passei a mão no imbigo
pra vê se era muié
era Zabé sim sinhor
me deu no corpo um tremor
um frio e um farnizim
fiquei todo arrepiado
como um animá cercado
por dez vira lata ruim.
Me esqueci da oração
de afugentar coisa feia
também com tanta aflição
quem é que não se aperreia
por isso é que eu vim aqui
por sinhor correndo ir
na cova que Zabé tá
jogar umas água benta
pra vê se Zabé se aguenta
do outro lado de lá.

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