Lu Minami
Ouvindo: Sinal Fechado (Chico & Maria Betânia)Você devia ter ido ontem. Eu fui porque queria ficar rouca de tanto cantar Chico com a voz louca para me ouvirem de cima do palco. E também porque estava precisando de um porre interestelar, mas nem isso eu fui capaz de me dar. Uma vontade de doer a cabeça no dia seguinte, ciente de uma grande merda feita e a vergonha, alguma voz sem dono no meu apartamento, o ardor, a dor nas pernas, um leve e pequeno roxo na coxa de lembrança. Ei, ta me ouvindo? Você devia ter ido. Escuta, ele era um pouco mais alto que você e tinha uma coisa de menino nos olhos, toneladas de uma infantilidade linda e um miligrama de vergonha na cara. Deu para perceber quando ele me abraçou, você sabe como eu fico, não é? Depois de tudo eu percebi que não estava bêbada, ele não me entendeu e fiquei pensando se eu era assim mesmo. Você acha que quando a gente, você sabe, então, você me achava muito ou muito pouco para ser compreendido? Pede um café para mim? Te dou um cigarro se você pagar meu café, pelo menos uma vez na vida, vai? Na verdade, sinto um sufoco de tanto vazio, deve ser por isso que perco o pouco de controle que faço pouca questão de manter. Pelo menos eu acho que é o vazio, parecido com uma grande ausência, talvez de alguém como você foi um dia para mim. Eu fui algo para você? Assim, alguém que preenchia espacinhos do seu peito, as lacunas das suas manhãs e noites mudas e as perguntas sem respostas de filmes de arte? Ou a cor que inunda espaços entre linhas cinzas e vazias do branco inevitável? A vida rosa do cinema francês? Eu era essa cor ou era uma cor assim, indefinida, cheia de nuances estranhas que você não sabia se gostava ou se doía e não sabia se estava cheio ou vazio daquela merda toda? Eu sei, desculpa, a gente não devia mais tocar nesse assunto. Hein? Não, eu não chorei quando você foi embora. Eu fiquei aliviada, mas confesso que procurei pistas e recados pelas gavetas que me explicassem porque a gente nunca se magoou o suficiente para chorar pelo outro. Acho que também nunca rimos tanto para justificar o choro. Mas me entristeceu durante um tempo o espaço enorme que você deixou vago, apesar de a cada dia, esse espaço se tornar entrelinhas cada vez menores e sintetizar, a cada palavra proferida, a nossa breve história, de modo a finalmente colocarmos o tal ponto final, que finalize e não pause, para começarmos outro conto novo e inédito com os mesmos erros cometidos. E levou tudo isso de tempo para que a gente percebesse finalmente que não devíamos mais nos encontrar às escondidas assim, entre um café morno e um cigarro amassado. Engraçado, né? A gente devia ter resolvido isso antes. Você devia ter ido ontem, mas já que não foi... adeus.
– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo... Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!