jú mancin
d °_° b I´m old fashioned, john coltrane
um café, vazio e meio sujo, quase silencioso, não fosse o coltrane arradinho, reclamando ao fundo da cena.
a moça sentada à última mesa, enfiada num avental branco por cima do vestidinho rosa, que compõe o uniforme de garçonete de um café vazio e meio sujo, entretida com um folhetim de fofocas do meio artístico já ultrapassado, só se dá conta de presença estranha, quando o moço recém chegado tosse, uma tosse seca.
sem susto levanta os olhos pregados ao folhetim, assim de cara e meio entediada, se levanta contrariada...
[mas a essa hora, com essa cara de ressaca...vai me arranjar problemas...]
- o senhor quer o cardápio, ou já sabe o que vai pedir?
- bom dia, jovem senhora!, disse o atormentado intruso, numa voz pastosa e cansada, e de forma tão lenta, que a jovem de avental branco por cima do vestidinho rosa teve tempo de contemplá-lo e concluí-lo...
[belos olhos sofridos. marcas do tempo e da dor. de que mal sofre esse homem?]
- câncer!
a moça assustou-se, - como, senhor?
- tenho câncer! câncer no coração...estou morrendo!
- ma...mas senhor, sentes alguma dor? quer que chame por socorro?, disse a garçonete numa voz trêmula e entrecortada.
- traga-me um café. torradas, queijo fresco, ovos mexidos...
[a última ceia!]
- traga tudo e um sorriso. [faça-me querido por alguns instantes, deixe-me sentir em casa, permita-me crer que isso aqui é o meu lar...]
a moça se afasta, ainda sentindo a cabeça girar pelo golpe da dura resposta aos seus pensamentos. se afasta no intuito de preparar uma bela refeição que alimente o triste homem...
o triste homem se afasta, sente o corpo desfalecer e sorrindo meio inconsciente, aos poucos rememora dias felizes. aquela bela, sorrisos e abraços e beijos e sonhos, milimetricamente sonhados a dois. no feno, na grama, no trailer, na cama, na água, na lama...longos dias de frenesi. a linda e louca MISS ALABAMA. era assim que ela se chamava...
miss alabama surgia na noite, cantando qualquer nota, no seu velho violão desboatdo, contando um conto sempre à caça do ponto, falava da terra, do fogo, da água e do ar. falava da vida e da vida após a morte. falava de amor, como que sentisse amor, mentia bem a danada, sabia do amor uma grande bobagem, mas gostava de amar... no feno, na grama, na cama. em todas as camas. longas semanas e a louca caiu no mundo. levou a alma, o coração e a grana...deixou o homem, que era feliz, triste, deixou o trailer...deixou um câncer.
o homem chorou. chorou. chorou. comeu, se lambuzou nos sabores daquele café sujo, preparado com zêlo por alguém que apiedou-se de sua dor. levantou-se, pagou e agradeceu a moça, deixando o troco, gorda gorjeta. correu pra estrada de ferro em frente, ali na estrada, pulou da ponte. se jogou bem na hora do trem passar. matou seu câncer.
a moça, voltou pro tablóide, antes um pouco de ingressar nos bastidores de sua vida imaginária, se pegou pensando, com um riso meio tímido...
[Pobre homem triste! Amanhã lhe faço um bom almoço!]